O abandono de parceiras durante e após o câncer de mama afeta o bem-estar emocional e o tratamento das mulheres, gerando estigma e aumento da depressão
O abandono de parceiras durante e após o tratamento do câncer de mama é um fenômeno alarmante que afeta cerca de 70% das mulheres diagnosticadas com a doença, segundo dados da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). As mulheres têm 20,8% de chances de serem abandonadas por seus companheiros, em contraste com apenas 3% dos homens que enfrentam a mesma situação, segundo o Sinjusc.
Além de lidar com o estresse do tratamento e das mudanças físicas, como a queda de cabelo e possíveis alterações corporais devido à mastectomia, as mulheres também enfrentam a rejeição de seus parceiros. Segundo a médica Larissa Oliveira de Aquino, mastologista da SBM, essa realidade representa um desafio, pois o abandono não apenas aumenta o estigma e o sofrimento emocional, mas também impacta negativamente o tratamento, contribuindo para quadros de depressão que podem retardar a eficácia da quimioterapia ou radioterapia.
Para lidar com esses sentimentos e o medo do abandono, o diálogo aberto pode ser uma das saídas. É fundamental que as mulheres busquem suporte emocional e que as instituições de saúde ofereçam um ambiente acolhedor e compreensivo. O tratamento multidisciplinar é o que garante uma resposta eficaz ao tratamento do câncer de mama. Grupos de apoio e espaços de compartilhamento de experiências são indispensáveis para ajudar as pacientes a lidarem com o impacto emocional da doença e do tratamento.
Conforme a mastologista Maira Caleffi, chefe do serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), existe uma diferença no impacto do abandono durante o tratamento e após o tratamento. “Frequentemente, vemos casos em que o diagnóstico é acompanhado por um histórico de estresse crônico, muitas vezes relacionado a problemas conjugais”, explica Caleffi. Além da perda da saúde, a paciente se depara com a transformação do corpo, o que agrava o sentimento de desamparo.
Caleffi ressalta que, embora o risco de vida seja muito menor hoje em dia graças aos avanços no tratamento do câncer de mama, o impacto emocional permanece. “As pacientes perdem a saúde, a perspectiva de futuro e a imagem corporal que tinham. Quando essa perda se soma ao abandono do parceiro ou parceira, o luto vivido durante o tratamento se intensifica”, afirma. O período de diagnóstico e início do tratamento é especialmente delicado, marcado por uma série de novas experiências, como exames, cirurgias, radioterapia e quimioterapia, o que pode aumentar a sensação de fragilidade.
Abandono após o tratamento: novas perspectivas de vida
A situação muda um pouco quando o abandono ocorre após o tratamento, quando a saúde da paciente já está mais estabilizada. “Se o parceiro ou parceira consegue suportar o período crítico do tratamento e o relacionamento termina depois, isso pode ter um significado diferente”, diz Caleffi. Nesse caso, a paciente pode até perceber o fim do relacionamento como uma oportunidade de ressignificação da vida, buscando novas relações que tragam mais satisfação e crescimento pessoal.
Ainda assim, em qualquer etapa do tratamento, a falta de apoio, tanto conjugal quanto familiar, pode agravar o impacto emocional. “É importante que a equipe médica esteja preparada para oferecer o suporte necessário”, enfatiza Caleffi. No Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento, por exemplo, há uma equipe multiprofissional composta por psiquiatras, psicólogos e enfermeiras especializadas, prontas para acolher a paciente em todas as etapas do processo de tratamento.
Luto simbólico
A psicóloga Juliana Martini, especialista em psico-oncologia, entrevistada pelo Bella Talks, pela jornalista Camila Souza e a estagiária Brenda Rosa, destaca que, além do impacto emocional do câncer, muitas mulheres enfrentam o segundo luto: o término do relacionamento.
A psicóloga compara o processo de aceitação do diagnóstico com um luto simbólico, onde sentimentos como negação, raiva e tristeza podem complicar ainda mais o tratamento. A especialista também ressalta a importância do apoio familiar e da psicoterapia para ajudar as mulheres a lidarem com a doença e o abandono conjugal, caso ocorra simultaneamente.
Segundo a psicóloga, o número significativo de separações durante o tratamento revela a falta de apoio. “O tratamento muitas vezes traz à tona problemas conjugais que estavam escondidos”, destacou Martini.
O que mostram as pesquisas
Estudos internacionais confirmam que o câncer pode afetar significativamente os relacionamentos, dependendo de diversos fatores como o tipo, o estágio do diagnóstico e a qualidade do relacionamento antes da doença. Um estudo de 2023 mostra que a complexidade da vida a dois, que demanda integração de desejos e projetos pessoais, é intensificada quando o câncer entra em cena.
A pesquisa qualitativa, realizada com cinco mulheres adultas que completaram cinco anos de acompanhamento pós-tratamento, investigou como o câncer de mama impacta a conjugalidade. As participantes foram entrevistadas através de uma técnica semiestruturada. O estudo revelou que, entre as cinco mulheres, três permaneceram casadas durante todo o processo de enfrentamento da doença, enquanto duas se separaram.
Os resultados indicam que a organização da relação antes do adoecimento influenciou diretamente a manutenção ou o término do relacionamento durante o tratamento. A presença e o apoio do cônjuge mostraram-se fundamentais para enfrentar os desafios do câncer. A pesquisa destacou que fatores como reconhecimento, respeito, reciprocidade e responsabilidade foram essenciais para a adaptação e manutenção da conjugalidade.
Outro estudo na Alemanha focado em parceiros e ex-parceiros de pacientes com câncer, revelou que 23,4% dos entrevistados passaram por uma separação durante o tratamento do câncer, um índice menor que o da população geral alemã, que é de 35,79%.
A pesquisa destacou que 57,4% dos separados atribuíram a doença como um dos fatores que contribuíram para o fim da relação. Além disso, para os casais que continuaram juntos, 55,9% relataram um impacto negativo do câncer em seu relacionamento.
Fatores como depressão, ansiedade e baixa satisfação no relacionamento foram apontados como preditores de separação e de uma percepção negativa da influência do câncer na relação. O estudo sugere que o apoio psicossocial deve incluir tanto o paciente quanto o parceiro, visando fortalecer a estabilidade e satisfação no relacionamento.
Estudo publicado no periódico Cancer revelou que mulheres diagnosticadas com câncer ou outras doenças graves têm seis vezes mais chances de enfrentar separação ou divórcio após o diagnóstico, em comparação com pacientes do sexo masculino. Os autores do estudo apontam que o gênero feminino foi o principal preditor de divórcio em todas as coortes analisadas. Da mesma forma, um estudo de 2015 no Journal of Health and Social Behavior apresentou resultados semelhantes, destacando o impacto desproporcional que essas condições têm sobre pacientes do sexo feminino em termos de rupturas conjugais.
Autoestima também é afetada
Martini diz que o tratamento oncológico afeta a autoestima das pacientes, especialmente devido às mudanças físicas, como a perda de cabelo e as cirurgias mamárias. “Muitas pessoas minimizam, mas a perda de cabelo é uma das maiores dores para as pacientes, pois faz parte da identidade”, afirmou.
Além disso, ressalta a importância da rede de apoio, que inclui familiares e amigos, e o papel fundamental que desempenham na manutenção da saúde emocional da paciente. “A aceitação e o suporte da família são essenciais, tanto de maneira prática quanto emocional, durante o tratamento”, disse a psicóloga. A psicóloga diz que é importante a psicoterapia não apenas durante o tratamento, mas também após a alta médica, quando a paciente precisa lidar com os desafios emocionais de retornar à vida cotidiana.
🩷Cuidados para mulheres com câncer de mama
1. Apoio psicológico imediato: Busque acompanhamento psicológico especializado, como a psico-oncologia, para lidar com o impacto emocional do diagnóstico e os desafios do tratamento.
2. Aceitação gradual: Permita-se passar pelo processo de aceitação do diagnóstico no seu tempo. Sentimentos de negação, revolta e tristeza são normais e fazem parte do processo de luto emocional.
3. Forte rede de apoio: Conte com a ajuda de familiares e amigos para suporte emocional e prático durante o tratamento. O apoio de pessoas próximas é essencial para enfrentar os desafios.
4. Autocuidado físico: Esteja preparada para lidar com mudanças físicas, como a perda de cabelo, cirurgias mamárias e outros efeitos colaterais do tratamento. Cuidados com a pele, alimentação e repouso adequados são fundamentais.
5. Autocuidado emocional: Foque na saúde mental, priorizando o fortalecimento emocional. Estabeleça limites claros para preservar seu bem-estar, seja no tratamento ou em questões pessoais.
6. Planejamento familiar e conjugal: Dialogue abertamente com a família e o parceiro sobre os impactos emocionais e físicos do tratamento, buscando apoio e compreensão.
7. Acompanhamento pós-tratamento: Mesmo após a alta médica, continue com a psicoterapia para ajudar na transição e adaptação à vida pós-tratamento, cuidando da qualidade de vida e da saúde mental a longo prazo.
8. Prevenção de ansiedade e depressão: Fique atenta aos sinais de ansiedade e depressão durante o tratamento e após. O acompanhamento contínuo de um psicólogo pode ajudar a identificar e tratar esses sintomas.
9. Reforço da autoestima: Encontre formas de fortalecer a autoestima, seja por meio de novos hábitos, atividades que proporcionem bem-estar ou grupos de apoio que compartilhem experiências semelhantes.
10. Equilíbrio nas relações pessoais: Durante e após o tratamento, trabalhe no equilíbrio das relações familiares e conjugais, garantindo que você também receba suporte emocional e não apenas o ofereça.
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O Bella Mais deu início á série de conteúdos sobre o Outubro Rosa. A primeira matéria reuniu dados sobre o câncer de mama no Brasil. Na segunda, foi abordado como a desigualdade regional no Brasil impacta na prevenção, diagnótstico e prevenção. Também foi lançado o Bella Talks, com a entrevista da psicóloga Juliana Martini explicando a importância da psicologia para o bem-estar e qualidade de vida das mulheres com câncer! O outro bate-papo foi a co0m médica Morgana Perdeu? Clica no link abaixo!
Acompanhe:
– Temporada Bella Talks: Como é o diagnóstico e quais são as novas tecnologias para detecção
– Desigualdade no tratamento compromete chances de cura
– Temporada especial do Bella Talks sobre câncer de mama
– Câncer de mama em ascensão: fatores e desafios no Brasil
Fique de olho!
👉🏼Na próxima semana, vamos falar mais sobre a prevenção e novos tratamentos!
Fonte: Correio do Povo