A ideia original era garantir um mínimo de cadeiras para mulheres no Legislativo de forma progressiva: 10% na primeira legislatura; 12% na seguinte e 16% na subsequente. Aprovada pelo Senado em 2015, a proposta de emenda à Constituição (PEC) está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados desde 2016. Quatro anos depois, as proporções se tornaram ultrapassadas, e a bancada feminina tenta construir uma nova versão da PEC.
A intenção é emplacar a votação ainda no mandato de Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidente da Casa, que se encerra em fevereiro. Ele assumiu o compromisso com as deputadas de pautar a PEC 134/2015 quando ganhou a eleição em fevereiro de 2019.
O texto que enfrenta resistência de caciques partidários demorou tanto para ser votado que os patamares mínimos do texto foram superados em parte nas últimas eleições. Em 2018, o percentual de deputadas federais eleitas chegou a 15%, mesmo patamar para as assembleias estaduais de modo geral, ainda que haja disparidades entre os estados.
Na esfera municipal, em 2016, as vereadoras eram 13,6% dos eleitos para o cargo, mas também há diferenças entre as cidades. De acordo com levantamento do jornal O Globo, naquele ano, em 1.292 municípios (23,3% do total), as câmaras eram compostas exclusivamente por homens.
Por esse motivo, a bancada feminina tenta uma solução para aprovar a PEC de forma a ampliar a representatividade das mulheres na política. A expectativa é de que uma solução seja apresentada nesta semana. De acordo com a presidente da bancada, Professora Dorinha (DEM-TO), a proposta será discutida com o grupo “após parecer técnico das possibilidades existentes”.
Consultores da Câmara vêm aplicando modelos propostos às eleições passadas para verificar qual seria o impacto. “Estamos fazendo várias simulações”, afirmou a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que tem participado da articulação.
Votar ou não votar?
A bancada também enfrenta um entrave regimental. Não é possível apresentar um substitutivo em plenário, então uma forma de mudar o conteúdo da PEC seria por meio da apresentação de emendas. Para a proposta ser aprovada, é necessário apoio de 308 deputados, em dois turnos. Após a análise do texto-base, os destaques podem ser votados.
O risco é aprovar a proposta original e não aprovar a emenda que tornaria a proposta mais efetiva. Uma opção estudada é retirar os demais percentuais e deixar o de 16% para todos os níveis: câmaras municipais, assembleias legislativas e Câmara dos Deputados. Depois seria apresentada uma nova PEC para “fazer um escalonamento diferente para cada quantidade de eleitorado”, de acordo com Coelho.
Dessa forma, seria possível aproveitar o estágio mais avançado de tramitação da PEC 134. Uma nova PEC precisaria ser votada na Comissão de Constituição e Justiça, em uma comissão especial, e passar pelo aval das duas Casas, com quórum de 3/5 em duas votações, tanto de deputados, quanto de senadores.
Para as deputadas, é importante garantir um patamar mínimo desde as câmaras municipais. ”É um trabalho desde a base para que as mulheres possam se preparar para alcançar cargos que exijam maior capital político depois”, afirmou Margarete Coelho.
O consenso de um percentual único para os estados é mais difícil devido aos diferentes cenários. No Mato Grosso do Sul, nenhuma deputada estadual foi eleita em 2018. Já na assembleia legislativa do Amapá, elas são 33%. “Vamos ter de encontrar meio termo com cuidado para não representar retrocesso”, completou a deputada.
O texto original da PEC prevê que caso a cota não seja atingida naturalmente, “as vagas necessárias serão preenchidas pelos candidatos desse gênero com a maior votação nominal individual dentre os partidos que atingiram o quociente eleitoral”. O último candidato do gênero que atingiu o percentual mínimo será substituído pelo mais votado do gênero que não atingiu o percentual.
Também de acordo com a proposta apresentada em 2015, “serão considerados suplentes os candidatos não eleitos do mesmo gênero dentro da mesma legenda, obedecida a ordem decrescente de votação nominal”.
Para as parlamentares à frente da articulação, o ideal era aprovar a PEC ainda em 2020. “Queremos que seja aprovado este ano para no ano que vem preparar as filiações partidárias e analisar como foram os resultados das eleições municipais deste ano. Estrategicamente seria ideal para dar tempo para os movimentos e partidos se prepararem [para 2022], disse Coelho.
O clima no Congresso, contudo, deve atrapalhar esse calendário. A expectativa é de que os esforços se concentrem para aprovação do orçamento de 2021. Um dos entraves é a definição da presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO). A disputa pelo comando do colegiado antecipa a escolha da presidência da Câmara e do Senado em fevereiro próximo.
Cotas para mulheres funcionam?
A cota de 30% de candidaturas por gênero existe desde 1995, mas na prática, muitos partidos deixavam essas vagas vazias. Ela passou a ser obrigatória desde as eleições de 2010, mas só foi cumprida pela primeira vez em 2018. Das 7.689 candidaturas aptas, 31,6% eram mulheres. Neste ano, 33,1% entre os 542.596 pedidos de registro de candidatura são de mulheres.
Mesmo em 2018, a cota só foi cumprida na análise global. Um estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) mostra que, naquele ano, em 44 das 316 coligações a regra não foi cumprida. Além disso, 8 partidos (PSD, PROS, PCB, DEM, Podemos, Solidariedade, Rede e PMN) descumpriram a norma globalmente, isolados de suas coligações. Apenas o Novo atingiu o índice sem depender de outras siglas.
Com o fim das coligações em cargos de eleição proporcional, em 2020 a cota terá de ser cumprida isoladamente por cada partido neste ano, para os cargos de vereador.
A prática de candidatas laranja, apenas para preencher a cota, também é recorrente entre as legendas. Nas eleições municipais de 2016, o TSE apontou que, entre os mais de 16 mil candidatos que tiveram votação zerada, 14.417 eram mulheres, um forte indício de que muitas delas foram inscritas no pleito apenas para que o partido pudesse burlar a lei.
O argumento de quem defende a reserva de cadeiras nas assembleias e Câmara e não de candidaturas é de que a atual legislação não se mostrou efetiva para de fato promover a representatividade feminina nos espaços de poder. As decisões que fazem uma campanha ser realmente competitiva ainda continuam na mão das cúpulas partidárias, comandadas por homens.
Além da cota de candidaturas, a partir de 2018, passou a ser obrigatório aplicar ao menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para mulheres na disputa eleitoral, conforme decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Para o pleito de 2020, o valor terá de ser proporcional. Por exemplo, se o partido tiver 50% de candidaturas femininas, metade do dinheiro terá de ir para essas campanhas.
Mesmo com os avanços via Judiciário, não há regras rígidas sobre como os partidos devem aplicar essa reserva financeira e a decisão continua na mão de homens. Levantamento do HuffPost realizado em junho com 18 siglas mostra que controle de cargos que decidem candidaturas e o destino de dinheiro das legendas ainda é sobretudo masculino.
Brasil no ranking mundial
O Brasil está longe de ser um exemplo nessa área, na comparação com outros países. Estamos na 132ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union.
Na lista de 11 países da América Latina analisados pelo Atenea – Mecanismo para acelerar a participação política de mulheres na América Latina e Caribe, o Brasil fica em 9º lugar. O levantamento foi feito pela ONU Mulheres e pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Segundo a pesquisa, o Brasil apresenta um Índice de Paridade Política (IPP) de 39,5, o que o localiza à frente apenas de Chile (38,2) e Panamá (37), que estão em 10º e 11º lugar, respectivamente. O México, com índice de 66,2, lidera o ranking, seguido de Bolívia (64) e Peru (60,1).
As nações são classificadas de 0 a 100, de acordo com 40 indicadores, distribuídos em 8 dimensões, entre elas: compromisso com a igualdade, exercício de direito ao sufrágio, efetividade da lei de cotas e paridade política, poder executivo e administração pública, poder legislativo, poder judiciário e instâncias eleitorais, partidos políticos e governos locais.
A pior pontuação do Brasil entre os 8 indicadores é na efetividade da lei de cotas (13,3), seguida pelos compromissos institucionais brasileiros em relação à igualdade entre mulheres e homens (20). O estudo é contundente ao apontar que, apesar da legislação prever cotas de candidaturas desde 1995 e da existência da destinação de recursos, há falhas no controle e na fiscalização, o que gera fragilidade e não traz garantias concretas da efetividade da lei.
Promessa de campanha de Rodrigo Maia
Não é a primeira vez que a bancada feminina tenta emplacar a votação das cotas de cadeiras no Legislativo. Na reforma política de 2017, o grupo, coordenado à época pela deputada Soraya Santos (PL-RJ), relatora da PEC, tentou avançar, mas o texto não chegou a ser votado. A parlamentar atualmente é a primeira secretária da Câmara e única mulher a ocupar um cargo na Mesa Diretora da Casa.
Em 2019, tanto Soraya quanto Dorinha cobraram de Maia a promessa de campanha que fez ao ser eleito presidente da Câmara em fevereiro daquele ano. “Rodrigo Maia tinha um compromisso conosco quando foi candidato. Ele fez um acordo de pautar [a PEC das cotas] e era para ter pautado. Não pautou. Voltamos a falar com ele agora”, disse Dorinha ao HuffPost Brasil em julho de 2019. Na época, a ideia era de que a reserva fosse de 20% das vagas.
Em entrevista ao HuffPost Brasil no mesmo mês, Maia disse que trabalharia para que a PEC fosse votada, mas afirmou ser contra a proposta. Na avaliação do democrata, a medida causa uma distorção na representatividade política. “O número de eleitores dividido por 513 deve dar esse número que é o número [de eleitores] de cada vaga. Se você puxar demais, vai ter mulheres eleitas com poucos votos, então acaba gerando distorção na representação no Parlamento”, disse.
Para o presidente da Câmara, uma solução mais efetiva seria a adoção da lista fechada. Nesse modelo, o eleitor vota no partido e não diretamente no candidato. Cabe às legendas estabelecer a ordem dos candidatos na lista para ocupar de fato as cadeiras no Legislativo. Nessa sistema, o caminho para as mulheres ocuparem os espaços de poder continua sob controle dos caciques partidários.
Na reforma política de 2017, uma das medidas debatidas à época previa a inclusão de um político de gênero distinto em cada grupo de três na lista. Na época, a estimativa de consultores legislativos envolvidos no debate era de um aumento de 10% a 25% de mulheres no Parlamento, com base no número de cadeiras de cada legenda na composição da Câmara naquele momento. A proposta, contudo, não foi aprovada.
Fonte: HuffPost Brasil