Em Pernambuco, mães de filhos com microcefalia se unem para enfrentar os desafios trazidos pela malformação congênita e para buscar assistência junto ao governo. Pesquisadores estudam relação entre infecção pelo zika e consequências para o desenvolvimento de bebês. Confira na reportagem especial do UNICEF.
Especialistas trabalham desde setembro de 2015 para entender as causas do número crescente de bebês que nasceram com microcefalia não associada a infecções congênitas já conhecidas e sua relação com a infecção pelo vírus zika, transmitido pelo Aedes aegypti, durante a gravidez.
“Isto é diferente de tudo o que conhecemos.”
A pesquisadora Celina Martelli, da Fundação Oswaldo Cruz, em Recife, acompanha os estudos sobre a epidemia desde sua eclosão e entende o momento como histórico. Ela fala de uma emergência que pode chegar a proporções transnacionais.
“Trata-se de uma questão desconhecida, do maior impacto social e da maior repercussão que se possa ter em relação à infância.”
Espera-se que os primeiros resultados tragam essas respostas. Estão envolvidas no trabalho diversas instituições, além de profissionais convidados e voluntários de todo o mundo, que contam com o apoio do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco.
“Estamos devendo à geração passada e a esta um olhar sério sobre as condições de concepção e nascimento. É preciso garantir um pré-natal de qualidade.”
Os possíveis efeitos causados pela infecção do zika no desenvolvimento do cérebro do feto ainda estão sendo estudados. Entretanto, sabe-se que são danos — em boa parte dos casos — muito importantes e que terão um grande impacto em toda a vida da criança e de sua família.
Diferentemente de quando a microcefalia é causada por outros fatores externos, como a rubéola, o citomegalovírus e a toxoplasmose, ainda não é possível determinar o padrão e a extensão da lesão.
“O maior desafio é financeiro. Há gente trabalhando aqui de forma voluntária. É necessário um plano de atendimento de pelo menos três anos para poder acompanhar estas crianças. Se conseguirmos dar a elas equilíbrio, condições mínimas nos primeiros 3 anos, elas estarão com a base.”
Liana Ventura, oftalmologista pediátrica e diretora da Fundação Altino Ventura, em Recife, alerta para a falta de atendimento, um problema que já existe e que pode se agravar com o aumento dos casos de microcefalia na região. A Fundação atende hoje, semanalmente, 145 crianças, sendo 90% delas provenientes de famílias de baixa renda.
Na busca pela garantia dos direitos, incluindo a garantia de atendimento, algumas mães já começaram a se mobilizar, reivindicando agilidade na inclusão no Benefício de Prestação Continuada (BPC), já garantido pela Constituição.
O benefício é direcionado a idosos e pessoas com deficiência, incluindo as crianças com microcefalia, e garante a transferência de um salário mínimo por mês para essas pessoas. A outra reivindicação refere-se à gratuidade do transporte, o passe livre.
“Dizem que a gente escolheu ter filho doente para ficar ‘de boa’ em casa, vivendo às custas do governo. Ninguém escolhe ter filho doente. O custo é alto, porque a gente vive o tempo todo em médico, gera custo de transporte, gera custo de alimentação.”
Hoje, são mais de 80 mães de bebês com microcefalia de Recife e da região metropolitana reunidas em um grupo do WhatsApp, no qual falam de seus direitos e também do dia a dia com as crianças.
“A gente vivia muito só, né? Daí surgiu a ideia de fazer o grupo para a gente trocar experiências, dividir as coisas”, conta Germana Soares, mãe de Guilherme, 4 meses. Para ela, a troca de experiência com outras mulheres vivendo dramas semelhantes ajuda a “diminuir a solidão”.
Germana foi a líder desse processo, que tinha a intenção de criar um espaço onde as mães pudessem conversar sobre os sintomas, reações das crianças, tirar dúvidas e, principalmente, dividir suas angústias.
“Nosso ponto comum é a luta diária, de médico em médico, de galho em galho. As mães pararam de trabalhar, maridos desempregados, aperto financeiro, a luta de ir todo dia pro médico, de sair de madrugada. Temos alguns casos de abandono, mas também temos casos de crianças que foram abandonadas e adotadas”, relata.
“A finalidade do grupo é a solidariedade. Hoje somos uma família.”
E é a solidariedade que está presente no dia-a-dia das mães que frequentam o Centro de Reabilitação da Fundação Altino Ventura, às quintas-feiras. Entre uma sessão e outra de estimulação, elas encontram tempo para festejar a amizade que se criou, o progresso dos filhos e a vida.
“Guilherme não foi planejado para vir naquele momento, mas ele foi extremamente desejado pra vir a hora que ele quisesse chegar. A microcefalia é um mero detalhe”.
Fonte: ONU