Durante a pandemia de coronavírus, a enfermeira Giselle Vaz Costa, 38 anos, de Belo Horizonte, percebeu que, para mudar a realidade seus pacientes, não bastava fazer um bom trabalho: era preciso ter políticas que olhassem para a saúde pública, evitando a falta de remédios e de equipamentos, por exemplo.
“A pandemia escancarou as dificuldades e, quando comecei a perceber que não dava para resolver todos os problemas dentro do hospital, senti vontade de ser mais ativa politicamente”, disse a Universa. Assim, decidiu se candidatar a deputada estadual em Minas Gerais, pelo Solidariedade.
Ela é uma das 200 mulheres que concluíram, na última sexta-feira (29), uma mentoria focada em liderança e gestão de campanhas eleitorais da Conecta, uma aceleradora da participação feminina na política. Cerca de metade delas vai se candidatar a cargos legislativos já nas eleições deste ano, em outubro.
“O fato de a formação ser específica para mulheres, falando dos desafios específicos que elas enfrentam na política, sem dúvidas ajudou a atrair mais participantes”, aponta Luana Tavares, fundadora da Conecta, coordenadora das mentorias e mestre em Ciência Política pela Universidade de Oxford. “Elas são assediadas em plenário, se deparam com falas machistas dos colegas parlamentares, é um ambiente muito tóxico. Por isso, é importante falar desses desafios em ambientes seguros, onde não existem essas hostilidades”.
“A gente ouve dizer que a baixa participação de mulheres na política se deve à falta de interesse, mas 500 mulheres se inscreveram em 37 dias. Existe interesse e há uma demanda enorme”, avalia.
O grupo formado por mulheres que já tinham algum engajamento político ou exerciam papel de liderança em suas comunidades é heterogêneo: elas são de 25 estados brasileiros, filiadas a 31 partidos.
O evento que marcou a conclusão do ciclo de mentorias aconteceu em São Paulo, com a presença da empresária Luiza Helena Trajano, à frente do Magazine Luiza e do Mulheres do Brasil, grupo suprapartidário que reúne mulheres para propor políticas públicas. Trajano e outras empresárias, políticas e lideranças femininas se dividiram em dois painéis para debater a presença as mulheres em espaços de poder.
Candidaturas femininas
Giselle, a enfermeira de Belo Horizonte que abre essa reportagem, conta que já estava decidida a concorrer à deputada estadual e estava tentando se capacitar para o cargo quando conheceu a Conecta. “É muita responsabilidade estar em um cargo público, para representar as pessoas. É preciso de capacitação para isso”, acredita.
A aposentada Juliana Soares de Paula, de 52 anos, concorrerá ao mesmo cargo, mas no estado de São Paulo. Ela nunca havia pensado em seguir carreira política até se aposentar e se mudar para Mongaguá, no litoral paulista, há 7 anos.
“Me apaixonei pela cidade e também pelas pessoas de lá. Percebi algumas mulheres passando muita necessidade e eu uma aposentada, sem fazer nada, então comecei a pensar em como ajudá-las. Comprei um carrinho e fui para a praça vender churrasco com meu marido”, conta Juliana.
Com o tempo, outras mulheres vieram com carrinhos de pastel, caldo de cana, bolo, até que aquilo virou uma praça de alimentação enorme, com barraquinhas de artesanato também. “Hoje, essas mulheres conseguem se manter com as vendas que fazem na praça, tirar dali seu sustento e o de seus filhos”, acrescenta.
Por seu papel de liderança entre essas mulheres, Juliana foi convidada pelo Solidariedade a se candidatar — de primeira, achou estranho, disse que não entendia nada de política, mas decidiu arriscar. Na mesma época, se inscreveu na mentoria da Conecta.
“Eu não sabia muita coisa, ainda não sei tudo, claro, mas hoje consigo falar de política com mais propriedade. Sinto vontade de debater, falar sobre as minhas ideias. Me sinto mais capaz de atingir meu objetivo, que é ajudar minha cidade”, diz ela, que preferiu se filiar ao PSD e sairá candidata por este partido.
Diferentemente de Giselle e Juliana, que já estavam decididas a sair candidatas quando começou a formação da Conecta, a advogada Ludmilla Mota, de 28 anos, tomou essa decisão durante o curso e se filiou ao PSB no penúltimo dia da janela dos partidos. Ela já havia trabalhado com direito eleitoral e atuado em campanhas de mulheres que foram eleitas, mas a certeza de que deveria concorrer a uma vaga na Câmara Distrital do Distrito Federal, onde mora, é mais recente.
“Estava cheia de dúvidas. Muita gente dizia: ‘Não faz isso, não perde sua carreira’, mas ter um grupo de pessoas incentivando, mostrando os caminhos, me deu ânimo”, contou a Universa. “Estou com muita esperança, tanto com a minha candidatura, quanto com mais e mais candidaturas femininas”.
Fonte: Universa