Mulheres jovens estão travando batalhas interconectadas por “justiça ambiental, econômica e racial”, disse a vice-chefe da ONU em uma discussão online na quinta-feira (3).
Durante mesa-redonda com renomadas economistas do mundo todo, incluindo a brasileira Laura Carvalho, a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, disse que teve a honra de ouvir ideias ousadas apresentadas por “uma geração confrontada por um mundo cada vez mais marcado pelo fechamento, ao invés da abertura, pela xenofobia, mais do que pela tolerância, por vulnerabilidade, mais do que por segurança, e, acima de tudo, um mundo assombrado pela ameaça existencial das mudanças climáticas”.
Vamos falhar sem as mulheres
Embora reconhecendo a injustiça no fato de os jovens terem de arcar com fardos que não criaram, Mohammed lembrou que “status, país e marcadores de identidade” com os quais alguém nasce são “um pouco mais do que uma questão de sorte”.
“Precisamos de uma lente interseccional” para superar as barreiras, sustentou o vice-chefe da ONU, destacando que qualquer esforço que não envolva as próprias mulheres, “acabará por fracassar”.
Mohammed disse que as jovens economistas apresentaram “soluções concretas, tangíveis e ousadas para duas questões urgentes que os jovens enfrentam hoje” — ou seja, a escassez de empregos e as mudanças climáticas — em “mais um lembrete da importância de ouvirmos as vozes desta geração”.
“Elas não são a próxima geração”, continuou, “são a geração e as líderes atuais, porque na verdade é o mundo delas que estamos construindo com a nossa resposta e recuperação a esta crise”.
Citando a iniciativa de Financiamento para o Desenvolvimento na reunião de ministros das Finanças na próxima semana e as discussões de alto nível da Assembleia Geral que se seguirão, Mohammed afirmou que é “nosso trabalho fazer justiça a essas soluções e garantir que as levemos adiante”.
A vice-chefe da ONU destacou o “momento único” apresentado pela pandemia de COVID-19, no qual “as partes interessadas estão dispostas a discutir as questões difíceis” no que se refere a modelos econômicos e arquitetura financeira, uma vez que soluções inovadoras foram “relegadas à margem do pensamento econômico”.
“Isso não teria sido possível até alguns meses atrás”, disse, exortando todos a capitalizarem o momento e “reorientarem o sistema financeiro global para que ele realmente funcione para todos”.
Reconhecendo que os problemas sistêmicos vão persistir “a menos que ações significativas sejam tomadas”, ela concluiu expressando confiança de que “estamos elaborando as soluções de que precisamos para um mundo mais resiliente, igualitário, inclusivo e sustentável à medida que superamos a crise da COVID-19 e alcançamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
Impactos no Sul Global
Para a economista e professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP) Laura Carvalho, não há oposição entre resolver o problema de saúde imposto pela pandemia de COVID-19 e abordar a crise econômica, tampouco há oposição entre desenvolvimento econômico e combate às mudanças climáticas.
“Não temos esse dilema. Existem planos que já foram construídos, planos de recuperação que têm altos efeitos multiplicadores que criam empregos e renda e que também podem ser inclusivos e reduzirem as desigualdades dentro e entre os países”, disse Carvalho durante a mesa-redonda.
“Acho que na Europa estamos vendo isso em alguns países. É um grande passo à frente”, declarou, sobre os planos de recuperação após a pandemia.
No entanto, ela alertou que, no Sul Global, os debates estão girando mais em torno do aumento da dívida pública, o que pode sinalizar uma nova rodada de políticas de austeridade fiscal e de uma agenda macroeconômica centrada exclusivamente no controle dos gastos.
“Infelizmente, as desigualdades globais também mostram, em termos de acesso ao financiamento, a falta de solidariedade fiscal que temos hoje em nosso sistema econômico (global), que também está cobrando seu preço em termos de ação climática”, afirmou.
A economista sugere a criação de novos instrumentos financeiros e de um melhor sistema multilateral fiscal para tornar o Sul Global menos vulnerável a choques externos.
‘Mudanças sísmicas’
Em sua fala no vídeo de abertura, o secretário-geral da ONU, António Guterres, observou que, à medida que as consequências socioeconômicas da pandemia se tornam “cada vez mais graves” e as consequências estruturais a longo prazo “cada vez mais evidentes”, a COVID-19 induziu a “mudanças sísmicas que requerem ideias ousadas e soluções inovadoras”, particularmente vindas das gerações mais jovens.
Reconhecendo que os impactos da pandemia “ainda não foram totalmente percebidos”, Guterres enfatizou a necessidade de requalificar os trabalhadores jovens com as habilidades certas para a economia futura.
“Isso inclui o investimento em habilidades tecnológicas, habilidades humanas que não podem ser substituídas pela automação e aquelas alinhadas com empregos verdes”, detalhou o chefe da ONU.
Voltando-se para a emergência climática, o alto funcionário da ONU disse, “enfrentamos uma crise existencial que está piorando a cada dia”.
“Precisamos que os poluidores paguem pela poluição, precisamos acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis e nenhuma nova usina de carvão”, frisou, acrescentando que “precisamos de ações ousadas que equilibrem as pessoas, o planeta e a prosperidade”.
“Isso deve ser central para estratégias que nos permitam recuperar melhor”, concluiu o secretário-geral.
Fonte: ONU Mulheres