Elas são maioria na graduação e na pós-graduação. Ao longo da carreira, no entanto, se tornam minoria. Por quê?
Basta uma rápida caminhada pelos corredores, salas de aula e laboratórios da Universidade Federal de Santa Maria para perceber que as mulheres ocupam, hoje, a maioria das vagas em cursos de graduação e pós-graduação na instituição. E essa não é uma realidade percebida somente aqui, na UFSM. Dados do Censo da Educação Superior de 2016, sistematizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) revelaram que elas são maioria no Ensino Superior em todo Brasil, correspondendo a 57% do total de estudantes matriculados. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) também confirma o predomínio das mulheres em cursos de pós-graduação stricto sensu. Os números mais recentes, de 2015, mostram que 54% dos estudantes matriculados e titulados em cursos de mestrado e doutorado eram mulheres.
À medida que as carreiras avançam no meio acadêmico, entretanto, elas tendem a se tornar minorias. Ocupam menos vagas de docência, cargos de gestão e direção em universidades. Alcançam menores índices de publicação científica. Recebem menos bolsas de pesquisa por produtividade. Por que isso ocorre?
“Com certeza as mulheres não são menos inteligentes ou menos capazes. Não! A situação que se apresenta é social e cultural”, garante a professora Maria Rosa Chitolina, pesquisadora do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UFSM. “As mulheres possuem alguns ‘percalços’ em seu caminho acadêmico, pois mesmo que existam oportunidades iguais para homens e mulheres, em alguns momentos as mulheres têm que se afastar das atividades acadêmicas”, acrescenta a mestranda em Educação e coordenadora da Associação dos Pós-Graduandos (APG) da UFSM Gabriella Eldereti. Maternidade, machismo, assédio, falta de incentivo e oportunidades são algumas das razões apontadas pelas pesquisadoras como responsáveis pela falta de interesse e até mesmo desistência de muitas mulheres em perseverar na carreira acadêmica.
TRAJETÓRIA EM DECLÍNIO
Apesar da predominância feminina no corpo discente da UFSM, quando olhamos para os estágios seguintes da carreira acadêmica, as mulheres se tornam minoria.
Conforme dados do Departamento de Registro Acadêmico (Derca), atualmente as mulheres correspondem a 53% das estudantes matriculadas em cursos de Graduação na UFSM, tanto nas modalidades a distância quanto presencial.
São maioria também em cursos de mestrado e doutorado, ocupando 60% das vagas e, segundo dados da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP), referentes ao segundo semestre de 2017, conquistam mais bolsas de pesquisa: 64% das bolsas concedidas pela Capes, na modalidade Demanda Social, são destinadas a elas.
A predominância feminina começa a mudar quando analisamos o número de docentes da instituição: as professoras correspondem a 45% do corpo docente da Universidade, segundo informações da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep), referentes a este primeiro semestre de 2018.
Esse percentual cai ainda mais quando o assunto são as bolsas produtividade concedidas pelo CNPq: somente 31% dos pesquisadores da UFSM reconhecidos com o incentivo são mulheres.
MAS NÃO É SÓ AQUI!
A redução no número de mulheres na pesquisa ao longo da carreira acadêmica, porém, não é uma realidade apenas na UFSM ou mesmo no Brasil. Um estudo realizado na Alemanha, em 2015, pela editora de periódicos científicos Elsevier, confirmou que por lá as mulheres também marcavam presença nas universidades até o doutorado e, depois disso, gradativamente, iam abandonando as carreiras. As causas identificadas eram muito semelhantes às enfrentadas por mulheres em diferentes profissões: pressões sociais e culturais, as responsabilidades com a casa, a família e os filhos, sexismo e discriminação.
O mesmo estudo desenvolvido pela Elsevier indicou que as mulheres também publicam menos artigos ao longo da carreira em comparação aos colegas homens. E outro levantamento, este conduzido pela União Americana de Geofísica (AGU) e publicada na Revista Nature, em 2017, afirma que elas também são menos convidadas a atuarem como avaliadoras de publicações científicas.
Os obstáculos encontrados ao longo da trajetória acadêmica gradualmente afastam as mulheres da pesquisa, e isso reflete no índice de pesquisadoras consideradas de alto nível. Em seu último edital para concessão de bolsas de produtividade em Pesquisa (PQ), divulgado em fevereiro deste ano, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) distribuiu mais de 4,4 mil bolsas entre pesquisadores brasileiros. Do total, apenas um terço, ou o equivalente a cerca de 33%, foi destinado a pesquisadoras mulheres. As bolsas PQ são as de maior nível concedidas pelo CNPq, destinadas a pesquisadores com atuação marcante e produção relevante.
CIENTISTA, MÃE, PROFESSORA, ESPOSA, ORIENTADORA…
Eldereti lembra que as mulheres costumam ser moldadas pela sociedade para serem dóceis, sensíveis e maternais, o que nem sempre corresponde ao desejo e à personalidade de todas. A forma como essas mulheres são tratadas socialmente, desde a infância, pode ser um dos motivos que tendem a afastá-las da ciência, principalmente das áreas consideradas mais “duras” – Ciências Exatas, da Terra ou Engenharias, por exemplo.
Mesmo que veja os filhos e a família como “vocações” femininas, Chitolina –que é mãe de quatro filhos– considera que a trajetória acadêmica não prevê espaços para a maternidade, a amamentação ou os cuidados com a prole, elementos que fazem parte do universo humano. “Se exige da mulher que ela seja boa mãe, boa cientista, boa professora, boa orientadora, etc. É muita cobrança, e isso leva muitas mulheres ao abandono da vida científica. Assim, se exige da mulher muito mais motivação, empenho, tempo, e eu diria coragem do que se exige dos homens”, argumenta.
O machismo e o assédio também foram citados pelas pesquisadoras como razões para a falta de protagonismo das mulheres na ciência. “O assédio existe, sim, mascarado ou descarado no ambiente de trabalho acadêmico e pesquisa”, afirma Eldereti. Seja pela falta de oportunidades ofertadas às mulheres – convites para palestras, participação em pesquisas e publicações, cargos de gestão e liderança – ou mesmo a forma como elas são tratadas no ambiente acadêmico acabam por desestimular as pesquisadoras. “Algumas vezes, é a forma como as palavras são colocadas, outras vezes é o próprio direito à palavra, direito a expor o seu ponto de vista e ser respeitada por isso. Vejo que isso tem mudado um pouco, mas ainda precisamos caminhar muito”, observa Chitolina.
DÁ PRA MUDAR?
Dá sim, garantem Chitolina e Eldereti. “É fundamental ver a mulher como um ser biológico que tem direito a menstruação, gravidez, amamentação e menopausa e, ainda assim, ser uma grande cientista. Isto é possível! Basta as mudanças acontecerem!”, ressalta Chitolina. O investimento na educação infantil também é destacado como fundamental pelas entrevistadas. “É preciso começarmos lá da base, na escola, com uma educação empoderadora e que busque quebrar alguns paradigmas”, defende a coordenadora da APG, citando o projeto Meninas na Ciência, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A iniciativa visa atrair meninas para carreiras de ciência e tecnologia e estimular as mulheres que já escolheram essas áreas a se tornarem agentes no desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. O incentivo desde a infância é também apontado por Chitolina como um importante incentivo: “As meninas devem acreditar e se sentirem aptas a serem o que quiserem desde pequenas. Devem ser incentivadas a isso e não boicotadas”.
Para aquelas que já estão nas universidades, o caminho é de resistência e luta contínuas. “Nós, mulheres, fazemos nossas mudanças micro, em nossos laboratórios, ocupando lugares de liderança em grupos de pesquisa, trazendo essas questões para o dia a dia”, sugere Eldereti. A defesa dos direitos adquiridos, a busca pela representatividade feminina em diferentes instâncias e o exercício da sororidade (aliança e apoio entre mulheres) devem ser pautas constantes entre as pesquisadoras.
Chitolina, contudo, lembra que não basta apenas esforço e dedicação por parte das mulheres para que o cenário mude. A pesquisadora indica a necessidade de mudanças administrativas: prazos e critérios de avaliação diferenciados para mulheres, considerando suas necessidades. “Eu gostaria que a maternidade e a amamentação fossem vistas como um direito e que, quando o currículo de uma mulher fosse avaliado para produtividade, por exemplo, num período em que esteve grávida ou amamentando, isso fosse levado em conta. Se para os homens fossem avaliados os últimos cinco anos, para as mulheres deveriam ser avaliados os últimos seis anos. Isso seria mais justo”, finaliza a pesquisadora.
Repórter: Mirian Quadros, da Assessoria do Gabinete do Reitor
Fotografia: Rafael Happke
Infográficos: Deirdre Holanda
Fonte: Revista Arco