Dado é de grupo de várias universidades do país que estuda impacto do novo coronavírus em gestantes e puérperas. Pesquisadoras estimam que mais de 200 grávidas tenham morrido pela infecção na pandemia.
Um estudo brasileiro publicado na terça-feira (28) mostrou que mulheres grávidas pretas têm quase o dobro de chance de morrer por Covid-19 no Brasil do que as grávidas brancas.
Publicada na revista científica “Clinical Infectious Diseases”, da editora da Universidade de Oxford, a pesquisa foi conduzida por cientistas de várias universidades brasileiras, incluindo as estaduais de Campinas (Unicamp) e de São Paulo (Unesp).
O estudo mostrou que, entre as mulheres brancas grávidas com Covid-19, a chance de morrer da doença foi de 8,9%. Entre as pretas, a probabilidade chegou a 17%, quase o dobro.
As pesquisadoras usaram a classificação de cor da pele/raça do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, responsável pelo Censo), levando em conta a autodeclaração das pacientes.
Para a cientista Débora de Souza Santos, primeira autora do estudo e professora de Saúde Coletiva na Faculdade de Enfermagem da Unicamp, a razão por trás da disparidade é o racismo estrutural.
“O racismo é um determinante estrutural da saúde. A mulher preta já acumula essas opressões todas: ela já morre mais, já tem menos acesso ao serviço de saúde. A pandemia só agrava o que já existe na sociedade”, explica Santos, que estuda a saúde de grupos vulneráveis, especialmente da população negra.
Além de terem mais risco de morrer, as mulheres grávidas pretas também tiveram o dobro de chance de precisar de ventilação mecânica em relação às brancas, e também precisaram ser internadas na UTI com mais frequência (1,4 vezes a mais que as brancas).
Para Santos, os dois índices se devem ao fato de a mulher preta esperar mais tempo com os sintomas da Covid antes de procurar assistência médica. Quando procuram, então, elas estão em condição mais grave que as brancas, o que aumenta as chances de precisarem de UTI, ventilação mecânica, e de morrerem.
“Elas chegam num estado muito pior de gravidade, com mais dispneia e com saturação pior de oxigênio”, afirma.
A pesquisa mostra que, no momento da internação, 68,5% das mulheres pretas tinham a dispneia (falta de ar) como sintoma, comparado a 54,8% das brancas, cerca de 1,25 vezes mais.
Além disso, 47,5% das mulheres pretas tinham saturação de oxigênio abaixo de 95%, comparado a 30,7% das brancas (1,5 vezes mais).
“A mulher preta está lutando para ter acesso ao sistema de saúde, sem sucesso. Ela está lá na vida cotidiana dela, no trabalho. Nessa situação que estamos vivendo, essa camada é a que tem menos oportunidade de se isolar, por necessidade de renda, de buscar o próprio sustento, de cuidar da família. Ela vive em condições precárias e vivencia os determinantes sociais de saúde com muito mais força”, explica Débora Santos, da Unicamp.
“Para que a gente consiga reverter essa situação, a médio e longo prazo, precisa combater o racismo”, afirma.
(As cientistas escolheram não incluir as mulheres autodeclaradas pardas na comparação (no IBGE, a classificação da cor da pele negra é a soma de pretos e pardos).
Grupo vulnerável
Uma mulher venezuelana grávida é vista em um ônibus durante o surto da doença por coronavírus (Covid-19) em Bogotá, na Colômbia, em abril de 2020 — Foto: Luisa Gonzalez/Reuters/Arquivo
Há cerca de duas semanas, o mesmo grupo publicou um estudo constatando que 77% das mortes de gestantes e puérperas (mulheres até 42 dias após o parto) por Covid-19 no mundo ocorriam no Brasil. As pesquisadoras estimam que os óbitos, que na data somavam 124, hoje devem ultrapassar os 200, mas ainda não têm números fechados.
Santos credita esse número ao fato de as grávidas, em tempos “normais”, já serem um grupo vulnerável. Na pandemia, a situação piora. Ela acredita que a deficiência no atendimento dessas pacientes aparece antes mesmo da hospitalização, ainda na atenção primária (nas Unidades Básicas de Saúde), os chamados “postos” de saúde.
“Nós temos uma rede grande de atenção primária em saúde. A Equipe de Saúde da Família tem o cadastramento de mais de 60% da população brasileira concentrada nas regiões pobres e periféricas. Então é possível que a maioria das mulheres gestantes que têm se infectado por Covid e ido a óbito tenham acesso à atenção primária à saúde”, avalia.
“Mas está faltando, nesse contexto de pandemia, o compromisso político para aproveitar a força que a gente tem na atenção primária em saúde para prevenir a infecção por Covid, mantendo o isolamento social, as campanhas, as medidas educativas, de cuidados cotidianos”, pondera.
Fonte: G1