RIO — Gerar uma nova vida enquanto a humanidade teme a morte é acreditar que amanhã, apesar de hoje, o astro rei vai brilhar. Ainda com inspiração nos versos cantados e criados por Guilherme Arantes, guardar um bebê no ventre em meio à pandemia de Covid-19 é crer que amanhã será um lindo dia, da mais louca alegria que se possa imaginar. Símbolos de que o melhor está por vir, grávidas oscilam entre a força inabalável das mães e a fragilidade de quem tem verdadeiro pavor de que falte para si e para o seu bebê o bem mais precioso: saúde. Neste misto de sentimentos tão controversos, resta a cada gestante não descuidar de gestos de amor fundamentais no momento, que são ficar em casa, usar máscara, seguir à risca os cuidados de higienização e não deixar de fazer o pré-natal.
Moradora da Tijuca, a ginecologista e obstetra Andrea Bento alerta sobre a necessidade de as gestantes redobrarem a atenção contra o novo coronavírus:

— Grávidas fazem parte do grupo de risco, pois a imunidade fica diminuída por estarem gerando uma outra vida. Além de tomarem todos os cuidados que qualquer pessoa precisa ter, elas devem, ao primeiro contato com alguém que possa estar contaminado, procurar um serviço de saúde para serem testadas. Caso o resultado seja positivo, elas precisam de atenção redobrada. Como a gestante não consegue expandir o pulmão, fica com a respiração mais curta, e assim a doença pode se agravar devido à falta de oxigênio — alerta a especialista, que trabalha na Maternidade Carmela Dutra, no Lins.
À espera de Henrique, que tem previsão de vir ao mundo em 10 de junho, a médica Julia Albuquerque, professora da Faculdade Souza Marques, em Cascadura, assustou-se com a chegada da Covid-19 ao Brasil.

— Desde o início, sabia que tinha que tomar todas as precauções para não contrair a doença. Parei de trabalhar. Só saio de casa para fazer exames e ir às consultas médicas. Este distanciamento social me deixou mais sensível. Eu me emocionei quando meus amigos organizaram um chá de bebê surpresa, virtual. Choro por saber que só o meu marido poderá estar comigo na maternidade, que não receberei visitas lá nem em casa, só on-line. Eu também não seguro as lágrimas por coisas bobas, como não poder fazer um ensaio fotográfico profissional exibindo a minha barriga. O meu primeiro filho vai chegar em um momento difícil, mas sou positiva, espero que a gente construa um mundo melhor após esta pandemia — diz a pediatra e nutróloga, que dava expediente no Hospital Municipal Jesus, em Vila Isabel.
Restrições de contato são de fato imprescindíveis para mães e bebês antes, durante e após o parto:
— Apenas um acompanhante pode assistir ao parto, e essa pessoa é a única que poderá ter acesso à mãe e ao bebê na maternidade. Qualquer visita está estritamente proibida. Outro cuidado muito importante que os hospitais estão adotando é testar as gestantes dias antes do parto para isolar as que estão com a Covid-19, mas que são assintomáticas. Assim, há diminuição de um eventual risco de contaminação nas maternidades.
Quanta diferença entre gerar uma vida em tempos de paz e outra em tempos de guerra. Em meio à batalha contra o coronavírus, a produtora cultural Janaína dos Santos, mãe de Julia, de 4 anos, e com Joana em seu ventre, não consegue curtir plenamente a atual gravidez, como fez na anterior. As angústias desta mamãe de segunda viagem, moradora do Engenho da Rainha, são muitas.

— A minha maior preocupação é como entrar num hospital num momento como este. Sei que as maternidades ficam separadas das outras alas, mas o medo continua, não tem jeito. Creio que há risco, sim. Recentemente, fiquei tensa, chorei quando soube que uma gestante perdeu o bebê após ter contraído esta doença. Dói saber que não vou poder receber visitas, porque a vontade é dividir um momento especial com todas as pessoas que amo. Esta gestação está muito diferente da outra. Desta vez, não fiz enxoval, o chá de bebê será virtual… A Joana só está com o quartinho montado porque herdou da irmã. Mas, apesar de tudo, estou com a cabeça boa. Sei que não posso pirar — diz Janaína, que se prepara para dar à luz em junho, preferencialmente de parto normal.
Os medos que assombram as grávidas são avaliados pela ginecologista e obstetra Andrea Bento como legítimos e naturais. Mas a médica ressalta a importância de as gestantes buscarem se manter calmas:
— É fundamental para a saúde da mãe e do bebê que este momento pré-natal seja de serenidade. Por isso, a informação ajuda tanto. Elas devem saber que, ainda que contraiam o coronavírus durante a gravidez, o bebê está protegido dentro do útero. Não há qualquer informação de que a transmissão possa acontecer dentro da barriga. E caso a mãe esteja contaminada no momento do parto, é fundamental que ela seja atendida em hospital, jamais em ambiente domiciliar, para estar cercada de toda a atenção necessária. O contato pele a pele com o bebê não pode acontecer, mas a mãe está autorizada a amamentar desde que use máscara e mantenha uma certa distância do recém-nascido.
No caso da esteticista e massoterapeuta Manoella Ribeiro, moradora de Guadalupe e grávida de cinco meses, soma-se às preocupações comuns a todas as gestantes um problema potencializado com a chegada da Covid-19: a perda de renda.

— Estou impossibilitada de trabalhar e meu marido foi demitido há pouco tempo. Estou com medo desta doença e também do agravamento da nossa situação financeira. Sinceramente, meu maior desejo hoje é poder voltar a trabalhar, mas sei que isso é difícil porque faço parte do grupo de risco por estar esperando o Leonam. Estou muito nervosa. Não falta comida na minha casa, mas ainda não consegui comprar uma fralda para o meu bebê — conta.
O aspecto econômico mexe com as emoções de Manoella, que encontra forças na religião para seguir em frente. Ela anda com fé, e, como diz Gilberto Gil em sua canção, “a fé não costuma falhar”.
— Eu sou espírita, tenho rezado muito, e tenho certeza de que essas crianças que estão chegando representam uma renovação para a humanidade. Vai dar tudo certo — diz a esteticista, otimista.
Fonte: O Globo