O projeto, protocolado por Célia Xakriabá (Psol-MG), fixa regras para o atendimento de mulheres indígenas vítimas de violências. O texto foi traduzido para o Guarani-Kaiowá e Akwen
A Câmara dos Deputados recebeu o primeiro Projeto de Lei traduzido para línguas indígenas da história. Protocolado pela deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG), o PL 4381/23 estabelece procedimentos a serem adotados pelas delegacias de polícia e demais órgãos responsáveis para o atendimento de mulheres indígenas vítimas de violências. O texto foi traduzido para as línguas Guarani-Kaiowá e Akwen.
A proposta prevê a criação de uma rede de apoio multidisciplinar, composta por membros da sociedade civil, advogadas, psicólogas, antropólogas e assistentes sociais, para acompanhar os atendimentos às vítimas. O PL abrange as violências física, psicológica, sexual, verbal, patrimonial, moral e política. “As mulheres indígenas estão propensas a serem vítimas de violência política, por serem protetoras dos territórios, da Mãe-Terra. Assim, muitas vezes precisam lutar contra o machismo incrustado dentro das comunidades para que o povo resista e sobreviva”, explicou a parlamentar.
O PL determina a presença de mais de um intérprete nos atendimentos, para garantir que os relatos das vítimas de violências, em uma comunidade ou outro espaço, sejam acolhidos e investigados, e não invalidados. “É por isso que prevemos, por exemplo, a presença de mais de um intérprete em casos de violências, pois é possível que um único seja parente/amigo do agressor e coloque a palavra da vítima em dúvida”, pontua Célia.
A proposta sugere, ainda, a realização de perícias antropológicas na comunidade onde a vítima foi atendida, a fim de que a legislação seja aplicada sem ferir a cultura e os costumes daquele povo. “No caso do agressor ser seu genitor ou padrasto, as autoridades devem requerer a perícia antropológica de maneira imediata e assegurar a vida e dignidade da vítima em primeiro lugar”, prevê o projeto.
Além disso, cabe estado poderá, em parceria com as defensorias estaduais e Ministérios Públicos, desenvolver cartilhas sobre o enfrentamento da violência, com traduções para as línguas das comunidades locais. Esses informativos deverão conter os endereços das delegacias e de outros órgãos de atendimento mais próximos, além do contato da Central de Atendimento à Mulher.
O projeto também cria a Semana da Mulher Indígena, com o intuito de realizar debates, seminários e rodas de conversa sobre feminicídio, importunação sexual e outros tipos de violências. Nessas atividades, a prioridade será a escuta de lideranças indígenas anciãs, assim como jovens e criança, e não apenas especialistas não-indígenas, para que “haja uma interculturalidade de saberes ancestrais e técnicos”.
“Após os atendimentos, cada mulher indígena será encaminhada e orientada, de acordo com suas necessidades, e deverá continuar recebendo os acompanhamento multidisciplinar necessário e condizente com seus costumes e tradições, resguardada sua ancestralidade e assegurada seus direitos indígenas, conforme previsto na Constituição Federal”, diz o texto.
As medidas já eram reivindicadas pelas indígenas há algum tempo. As mulheres originárias afirmavam que, embora a Lei Maria da Penha seja uma ferramenta de proteção importante, ela não alcançava as comunidades, seja pela barreira da falta de tradução para línguas indígenas ou pelo despreparo de órgãos públicos.
“Violência não é cultura. O projeto de lei aqui pensado visa a cobrir todas as mulheres indígenas que colocam seus corpos, mentes e corações na proteção da própria vida e no cuidado com o meio ambiente”, argumenta Célia.