É o Legislativo capaz de refletir a diversidade da sociedade brasileira? A resposta aponta para o drama da exclusão política de mulheres e afro-descendentes
Em 16 de junho, a Câmara dos Deputados rejeitou uma proposta de emenda que visava a criar cota de 15% para as mulheres no Legislativo federal, estadual e municipal. Eram necessários 308 votos para a aprovação da proposta, que contou com 293 votos favoráveis, 108 contrários e 53 abstenções. De acordo com a proposta, o percentual das cotas seria aplicado gradualmente: 10% na primeira legislatura; 12%, na segunda; e, finalmente, 15% na terceira.
Há em média 190 projetos relativos à reforma política no Senado e em média 170 na Câmara. Dentre os temas, destacam-se filiação e coligação partidária; financiamento dos partidos; reeleição; perda do mandato; novas normas eleitorais sobre suplentes; campanhas; sistema de votação; condições de elegibilidade e inelegibilidade; instrumentos de participação política…
Considerando a agenda de reforma política, como enfrentar o desafio da diversidade em nosso Parlamento? Quem representa quem? É o Legislativo capaz de refletir a diversidade da sociedade brasileira?
A resposta aponta para o drama da exclusão política de mulheres e afro-descendentes no Legislativo. As mulheres são 51,3% da população brasileira, mas são menos de 10% em nosso Parlamento (90% são homens). Os afro-descendentes são 51% da população, sendo apenas 8,9% na Câmara dos Deputados (91% são brancos).
Para Nancy Fraser, a justiça apresenta um caráter tridimensional: a justiça socioeconômica (a demandar transformações nas estruturas socioeconômicas, mediantes políticas de redistribuição); a justiça cultural (a demandar o enfrentamento dos preconceitos e dos padrões discriminatórios, por meio da transformação cultural e da adoção de uma política de reconhecimento de identidades); e a justiça política (a demandar a democratização dos espaços de poder político, por meio de transformação nos sistemas de representação).
Neste sentido, para fortalecer uma reforma política inclusiva, são lançados sete desafios: a) mapear o diagnóstico da sub-representação de mulheres e afro-descendentes no Legislativo, suas causas e consequências; b) aprimorar a política de ações afirmativas em prol de mulheres e afro-descendentes (um a cada cinco países do mundo adota política de cotas para as mulheres no Parlamento, o que tem permitido avanços extraordinários na arena mundial — em 1975, havia 11% de mulheres no Parlamento; em 2010, 19%; e em 2015, há 22% de mulheres); c) democratizar a direção dos partidos (em 2000, apenas 12% dos cargos diretivos eram compostos por mulheres, o que reflete a desigualdade de gênero); d) assegurar adequado apoio à candidatura de afro-descendentes e de mulheres com o efetivo uso dos recursos do fundo partidário; e) criar campanhas de sensibilização para uma reforma política inclusiva orientada pelo valor da diversidade e pelo combate à discriminação; f) realizar o monitoramento da implementação do sistema de cotas de forma a assegurar a progressiva participação de mulheres e de afro-descendentes; e g) identificar práticas exitosas de promoção da igualdade étnico-racial e de gênero na política.
Como sustenta Renato Janine Ribeiro: “Se tivéssemos 263 deputadas (frente a 250 homens) na Câmara, dificilmente os salários das mulheres seriam mais baixos que os pagos aos varões. A violência contra as mulheres já teria reduzido. Se fossem 261 os deputados de origem africana, perante 248 brancos, dificilmente eles teriam pagamento menor no mercado, dificilmente seus índices sociais seriam tão inferiores aos dos brancos. Se os deputados homossexuais fossem 51, a sua bancada já teria conseguido políticas de governo contra os crimes de ódio. A sub-representação de mulheres, negros e gays mata mulheres, negros e gays” (“Reforma política e preconceito”, “Valor Econômico”, 09/03/2015).
Democratizar os espaços de poder é medida essencial para assegurar maior legitimidade, qualidade e densidade democrática. Afinal, como lembra Amartya Sen, “a democracia é condicionada não apenas pelas instituições que formalmente existem, mas, sobretudo, pela possibilidade de diversas vozes serem ouvidas”.
Flávia Piovesan é procuradora do Estado de São Paulo e professora da PUC-SP e Victoriana Gonzaga é advogada
Fonte: O Globo