O Brasil avançou nas últimas décadas na disseminação do uso de anticoncepcionais entre as mulheres. No entanto, as adolescentes, especialmente de classes mais baixas, continuam tendo baixo acesso a esses métodos, de acordo com a cientista social brasileira Carmen Barroso, integrante do Painel Independente da Estratégia Global sobre Saúde de Mulheres, Crianças e Adolescentes do secretário-geral da ONU e vencedora do Prêmio de População das Nações Unidas de 2016.
O Brasil avançou nas últimas décadas na disseminação do uso de anticoncepcionais entre as mulheres. No entanto, entre as adolescentes de classes mais baixas o acesso a esses métodos é deficiente, disse a cientista social Carmen Barroso, integrante do Painel Independente da Estratégia Global sobre Saúde de Mulheres, Crianças e Adolescentes do secretário-geral da ONU.
No fim de abril, Carmen recebeu o Prêmio de População das Nações Unidas de 2016 por sua trajetória pioneira em estudos de gênero e na formulação de políticas de saúde da mulher. A homenagem é feita anualmente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) a indivíduos ou instituições por suas contribuições nas áreas de população e saúde reprodutiva.
Para a especialista, desde os anos 1980 o Brasil tem tido destaque no cenário global por sua abordagem dos direitos reprodutivos das mulheres sob a óptica de direitos humanos, e não mais sob o olhar de controle populacional como ocorria durante a ditadura militar. Na opinião de Barroso, o prêmio concedido pela ONU reconhece justamente essa abordagem.
Apesar disso, o país ainda enfrenta importantes desafios, especialmente em relação ao acesso das adolescentes mais pobres a métodos contraceptivos e nos debates sobre a interrupção voluntária da gravidez.
A especialista reconheceu que houve uma recente disseminação dos métodos anticoncepcionais, que estavam anteriormente restritos às classes médias urbanas. “Mas essa disseminação ocorreu entre as mulheres mais velhas. As jovens ainda enfrentam toda uma carga de preconceitos, segundo os quais elas não devem ser sexualmente ativas”, declarou.
A consequência disso é uma alta incidência de gravidez entre adolescentes, mesmo com a trajetória de queda registrada nos últimos anos.
Segundo dados do UNFPA, a taxa de fecundidade adolescente no Brasil passou 86 para cada 1 mil habitantes em 2000 para 75,6 em 2010. Esse indicador é quase o dobro de outras regiões do mundo, nas quais a média é de 48, 9 por 1 mil. Segundo o levantamento, a maior incidência de gravidez na adolescência ocorre entre jovens de classes mais pobres.
“Há ainda esse enorme problema das jovens adolescentes que de um modo geral têm suas demandas por métodos anticoncepcionais insatisfeitas”, declarou Carmen, lembrando que muitas vezes os próprios médicos do sistema público de saúde não orientam as meninas mais jovens a adotar métodos contraceptivos.
“As meninas pobres mais velhas bem ou mal estão conseguindo acesso bastante amplo (a métodos anticoncepcionais). As meninas de classe média têm suas dificuldades, mas não tanto. Já as meninas pobres estão engravidando sem desejar”, afirmou.
Educação sexual nas escolas
Na opinião da especialista, além do acesso a métodos anticoncepcionais nos serviços de saúde, é necessário melhorar as políticas de educação sexual nas escolas, de forma a reduzir os altos índices de gravidez indesejada entre adolescentes.
Para Barroso, apesar de existirem experiências de educação sexual inovadoras no Brasil, estas estão muito restritas a escolas particulares, não disseminadas pela rede pública.
“O Brasil está atrasado até em relação aos vizinhos de América Latina nesse tema. A Costa Rica, um país tão pequeno, aprovou recentemente um excelente currículo escolar, com treinamento de professores, participação dos estudantes, da sociedade civil. É um exemplo a ser seguido.”
A especialista lembrou ainda que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) tem desenvolvido parâmetros curriculares para educação sexual que podem ser adotados pelas escolas brasileiras. “Precisamos ter uma política séria de educação sexual”, afirmou, defendendo que essas iniciativas precisam vir do âmbito federal.
“Ainda existe uma mentalidade retrógrada que pensa que a educação sexual é perigosa, que vai incentivar os jovens a iniciar sua vida sexual”, afirmou. “Isso é uma bobagem, porque os jovens já estão tendo atividade sexual”. Segundo ela, os adolescentes mais esclarecidos em relação à própria sexualidade são também mais prudentes em suas ações.
Surto de zika
O surto de vírus zika, vinculado a casos de microcefalia entre recém-nascidos, é uma situação emergencial que requer impulsionar os direitos reprodutivos das mulheres, segundo Barroso.
De acordo com ela, é preciso ampliar as campanhas de conscientização da população sobre o uso de métodos anticoncepcionais para as mulheres que não desejarem correr o risco de engravidar enquanto a doença continua se espalhando.
“É necessário que todos os métodos anticoncepcionais estejam disponíveis para toda a população em todas as classes sociais, em todas as áreas afetadas e para todas as idades”, disse. “A função que se esperava do serviço público seria um aumento das campanhas educativas para informar a população sobre todas as possibilidades”, completou.
A especialista também defendeu a legalização da interrupção voluntária da gravidez caso haja risco de o bebê nascer com microcefalia.
“Estamos em uma situação de emergência”, disse, lembrando que um grupo de advogados, acadêmicos e ativistas prepara uma ação judicial para pedir ao Superior Tribunal Federal (STJ) o direito ao aborto em gestações de bebês com microcefalia.
Fonte: Nações Unidas