Danielle Nishida lidera 50 pessoas em uma empresa em Florianópolis e diz que é preciso capacitar garotas para que elas entrem no mercado de trabalho na área. Milena Veiga atua voluntariamente em um projeto para incentivar a usar ferramentas tecnológicas para a solução de problemas.
O número de homens e mulheres que atuam na área da tecnologia está longe da igualdade. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, a média de ingresso nos cursos do Centro Tecnológico (CTC) de Florianópolis é de 70% de homens contra 30% de mulheres, considerando dados da própria universidade entre 2019 e 2024.
E isso reflete no mercado de trabalho, de acordo com Danielle Nishida, que lidera 50 pessoas em uma empresa de tecnologia da capital catarinense.
“Se chegassem mais mulheres, a gente contratava mais mulheres. Se a gente tivesse mais meninas e mulheres capacitadas, a gente teria mais meninas e mulheres no mercado de trabalho”, resumiu.
Uma iniciativa que tenta mudar essa realidade é o projeto “Technovation Girls”, que, durante alguns meses, promove encontros de meninas entre 8 e 18 anos para dar aulas de código, inteligência artificial e empreendedorismo. A ideia é que elas produzam um aplicativo para solucionar um problema da comunidade.
Nesta quarta-feira (24), celebra-se o Dia Internacional das Meninas nas Tecnologias de Informação e Comunicação, data marcada pela Organização das Nações Unidas (ONU) .Desde 2011, esse dia é lembrado, mas ainda há muito a fazer até a equidade.
Danielle Nishida e Milena Veiga, voluntária do projeto “Technovation Girls”, conversaram com o g1 Santa Catarina sobre a importância de se ter mulheres trabalhando com tecnologia e como ajudá-las a atingir esse objetivo.
Liderança
A trajetória de Danielle Nishida, de 55 anos, para chegar a um cargo de liderança tem pontos importantes que começaram na infância. Segundo ela, a maneira como foi criada trouxe benefícios que continuaram a render frutos na vida adulta.
“A minha criação nunca foi assim ‘você não pode ir fazer isso. Isso não é para você. Isso não é coisa de menina’. Sabe? Então, isso eu acho que foi muito importante na minha vida”, disse Danielle.
“Eu nunca tive medo de adentrar esses universos que são muito masculinos. Meu pai me jogava nas coisas. ‘Vai no banco, vai fazer isso, vai fazer aquilo'”, completou.
“Na minha cabecinha, eu acho que eu nunca nem tive noção do perigo. Ou de que o ambiente não era para mim. Eu fui para onde eu me interessei”, contou.
Na escola, gostava mais de matemática, física e lógica. E seguiu essa tendência na hora de pensar sobre o que queria estudar no ensino superior. “Meu pai sempre me jogou para fazer coisas que ele achava que me davam uma autonomia. E, quando chegou a época da faculdade, eu escolhi o que eu achava que tinha mais a ver comigo, eu escolhi a área de tecnologia”.
Influenciada por um professor, ela optou por engenharia elétrica, que cursou na Universidade Federal do Pará, em Belém, cidade para onde o pai fora transferido na época. E veio a Florianópolis para fazer o mestrado na UFSC. Ela nasceu em Londrina, no Paraná.
No mercado de trabalho, ela está há 26 anos na empresa Dígitro e atualmente lidera 50 pessoas distribuídas entre as áreas de inteligência artificial, arquitetura de software, produtos digitais, qualidade e interface e experiência de usuário.
Eventos de tecnologia para mulheres
Durante todos esses anos, Danielle tem visto eventos de tecnologia voltados para mulheres. É algo que a deixava inquieta. “Poxa, eu tenho tanto tempo de carreira e ainda é necessário fazer evento de tecnologia só para mulheres. Eu ficava me perguntando por quê”.
“O carro é feito para homem, que às vezes a gente não consegue se ajeitar no carro. A cadeira, que você tem que levantar, e você não alcança a mesa. Joguinhos de computador, de videogame, a grande maioria é para homem. E o que é para mulher é meio infantil”, argumentou.
“Você vê que o mundo está muito sendo desenvolvido para o lado masculino, só que ele é metade feminino. Então a gente precisa de mulheres na tecnologia, porque elas precisam desenvolver tecnologia para o mundo, que é metade feminino”.
Danielle disse estar inquieta com a baixa presença de garotas na área. “A nossa preocupação é muito nesse começo de vida. Nas meninas, nas crianças que estão chegando no ensino médio”.
Falando com amigos, ela chega na média de 30% de mulheres trabalhando na área, a mesma do CTC da UFSC.
“A gente precisa fomentar essa confiança e essa possibilidade para elas”.
Incentivo para as meninas
Quem também se preocupa bastante com a inserção de meninas na área de tecnologia é Milena Veiga, que é voluntária em Florianópolis no projeto global “Technovation Girls”.
O projeto, voltado para garotas entre 8 e 18 anos, funciona de dezembro a abril, período em que as participantes recebem instruções e usam a tecnologia para pensar soluções para problemas.
O “Technovation Girls” existe em mais de 100 países. Em Santa Catarina, o projeto funciona desde 2016. Participam 25 cidades, mas somente na capital tem sido possível montar 10 times, o que faz com que o município possa concorrer com equipes do mundo todo.
As meninas têm aulas e, no final, cada time precisa entregar um aplicativo pensando para solucionar um problema alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Em Florianópolis, o projeto ocorre aos sábados. Participam meninas que estudam em escolas públicas, ou aquelas que estão com bolsas em instituições particulares.
Milena começou a ser voluntária no projeto após acompanhá-lo através da filha. “Queria encontrar um lugar para colocar minha filha para aprender programação e para que ela encontrasse alguma coisa para fazer no final de semana, que a ocupasse com uma coisa positiva”.
Após ver como o projeto funciona, ela se candidatou para ser mentora. Não é preciso ser da área para ser voluntário. O projeto também conta com o apoio de empresas, que ajudam cedendo espaço, comida ou equipamentos.
Durante as aulas, as meninas aprendem programação em blocos. “Se elas fazem o desenho do projeto delas, como elas começam a aprender a área de negócios antes, depois elas conseguem modelar isso para transformar isso em um aplicativo”, explicou Milena.
Para ela, meninas são menos estimuladas do que meninos a se interessarem em áreas tecnológicas. “Não vou dizer que as famílias não incentivam muito, mas, de uma maneira geral, não há um estímulo social para que as meninas estudem matemática”.
“Ninguém fala assim: ‘Nossa, minha filha vai ser uma astronauta, vai ser uma física que vai estudar matéria escura’ ou que ela vai pensar em lógica. As pessoas não dão esse tipo de presente para a menina. Se tu vais no aniversário de uma menina, geralmente tu vês uma menina recebendo uma boneca de presente, do cuidado. Então, ela vai para as áreas de enfermagem, para a área administrativa, para a área de cuidado, e não necessariamente para áreas lógicas. E a ideia é que a gente consiga colocar equidade, né?”.
A missão do projeto é empoderar e capacitar meninas a se tornarem líderes e solucionadoras de problemas nas próprias comunidades. Milena acredita que o programa tenha um saldo bastante positivo para as participantes.
“O impacto do projeto de uma forma geral é trazê-las [meninas] para infinitas possibilidades. Muitas delas foram para a área de programação, para a área de design. Muitas delas conseguiram identificar para onde irem e eu acho que o diferencial de algumas delas é que elas modificaram as famílias. Porque algumas delas conseguiram empregos e ajudaram no sustento”.
Além de ser voluntária no projeto, Milena é coordenadora do Centro de Inovação, Pesquisa, Empreendedorismo e Tecnologia da Universidade Federal de Santa Catarina (InPETU hub/UFSC).
Fonte: G1