Os direitos das mulheres em tratamento psiquiátrico
Alguns tipos de violências contra a mulher podem ser motivados por um determinismo psiquiátrico de gênero que atribui uma adjetivação negativa estereotípica das mulheres quanto à sua sanidade mental, expresso no senso comum social e familiar por frases como “todas as mulheres (mãe) são loucas”. Esses estigmas têm naturalizado uma cultura de medicalização psiquiátrica excessiva das mulheres, inclusive com dupla medicalização, por vezes, com substâncias conflituantes.
A cartilha de midia-advocacy pela inclusão de mais 5 tipos penais de violência doméstica, entre elas, a violência médica e química de gênero, proposta pelo grupo Eco Feminino, tenta atacar “frontal”mente a essa questão. As hiperdosagens e alguns tipos de interações medicamentosas de remédios psiquiátricos (antipsicóticos) controlados, mesmo quando administradas sob cuidados médicos e/ou familiares, podem, em alguns casos, acarretar um alto grau de apatia e inércia feminina, atrofiando o aparelho cognitivo, sensorial e motor, no que propicia um maior controle comportamental físico, sexual, social e econômico das mulheres, por parte do patriarcado masculino, privando-as, por vezes, do direito à livre escolha, de ir e vir e, até mesmo, de consumir.
Para Peter Gøtzsche, autor do livro “Medicamentos Mortais e Crime Organizado” (editora Bookman), o custo-benefício dos antipsicóticos seria questionável, haja vista que a cura mais natural da depressão, com auxílio exclusivo da psicoterapia, não apresenta nenhum efeito colateral deletério permanente das funções cerebrais normais. A dependência química, mas também emocional causadas pela eficácia simbólica (placebo) desses medicamentos, implica numa dificuldade de interrupções abruptas em prol da indicação de outras propedêuticas clínicas de saúde mental.
A oposição radical a humanização do tratamento psiquiátrico, no sentido, de repensar essas práticas médicas, não é considerada crime somente por Gøtzsche. A Lei de Drogas (11.343/2006) brasileira tem um único artigo culposo, pouco conhecido e aplicado, que prevê tipificação penal de condutas profissionais médicas que possam contribuir para “Art. 38. Prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) dias-multa. Parágrafo único. O juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente”.
Gradativamente, as mulheres medicalizadas em excesso, por supostas doenças da mente, são submetidas ou permitem ser submetidas a uma espécie de lobotomização do seu espírito e psique. A mesma sociedade conservadora que tem de forma sobranceira punido mais severamente o usuário de drogas (descriminalização), lutando para acabar com o instituto da despenalização do porte de droga para consumo próprio, faz vistas grossas para o vício e a violência doméstica química e medicamentosa. A partir das novas pesquisas científicas e arcabouços legais, é dever do cidadão repensar os limites entre medicalização e criminalização de fármacos que, assim como as substâncias ilícitas, também são considerados drogas.
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança e do Grupo EcoFeminino.
Fonte: Revista Fórum