As mudanças climáticas e a degradação ambiental generalizada estão aumentando a violência contra mulheres e meninas ao redor do mundo e a discriminação de gênero está prejudicando a capacidade global de enfrentar a crise do clima, concluiu um estudo recente conduzido pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
Revelado pelo jornal britânico “The Guardian”, o relatório é considerado o maior e mais abrangente já feito sobre as relações de gênero e a crise do clima. Foram dois anos de pesquisa envolvendo mais de mil fontes e documentos, 300 entrevistas e 80 estudos de caso.
Já segue CELINA no Instagram? Clique aqui!
A análise revela a natureza complexa e interligada da violência de gênero com a crise ambiental em três principais contextos: acesso e controle dos recursos naturais, pressão e ameaças ambientais e ações ambientais para defender e conservar ecossistemas e recursos. A desigualdade entre homens e mulheres é generalizada em todos esses contextos.
O estudo concluiu que a violência de gênero é usada como um sistema para reforçar os privilégios e os desequilíbrios de poder, inclusive sobre o acesso a recursos naturais. Por exemplo, o conflito gerado pela escassez de alimentos pode dar origem a práticas como a registrada em partes do leste e norte da África, em que pescadores se recusam a vender peixe para mulheres, se elas não fizerem sexo com eles.
À medida que o planeta esquenta, os recursos naturais ficam mais escassos e as intempéries — como secas, tempestades e inundações — mais intensas e mais frequentes. Na maior parte do mundo, as mulheres já estão em desvantagem e, consequentemente, ficam mais vulneráveis a exploração em situações extremas.
Mulheres e meninas precisam caminhar mais para coletar comida, água ou lenha, o que aumenta o risco de serem submetidas a formas de violência como assédio sexual e estupro. A crise climática também aumenta a ocorrência de violência doméstica, tráfico humano, casamento e prostituição forçados. Enquanto isso, durante desastres naturais, pessoas LGBTQI foram rejeitadads em abrigos, aumentando sua exposição à morte com base em sua identidade de gênero.
O relatório constatou que o tráfico humano, que atinge majoritariamente as mulheres e meninas, aumenta em áreas onde o meio ambiente está sob pressão ou ameaça, e que há vínculos entre a violência de gênero e os crimes ambientais, como a caça ilegal de animais silvestres e a extração ilegal de recursos. Os estudos de caso destacados no relatório apontam para exemplos de tráfico sexual em torno de minas ilegais em alguns países da América do Sul, abuso sexual e trabalho infantil na indústria de pesca ilegal no sudeste da Ásia e exploração sexual em torno da extração ilegal de madeira e comércio de carvão vegetal em partes da África.
No terceiro contexto, a relatório demonstra que a violência de gênero também é usada como um meio de exercer controle sobre ativistas ambientais e de direitos humanos. Embora as ameaças contra ativistas ambientais, de modo geral, estejam em ascensão, as mulheres que atuam na defesa do meio ambiente estão experimentando níveis crescentes de violência de gênero. O objetivo é suprimir seu poder, minando sua credibilidade e status na comunidade em que atuam e desencorajar outras mulheres a avançar.
Guardiãs da Amazônia: conheça quatro mulheres na linha de frente da defesa da floresta
A violência de gênero também atinge mulheres índigenas que costumam estar na linha de frente da defesa de seus terirrórios e recursos naturais contra ameaças de invasão, exploração ilegal e interesses ecônomicos corporativos e governamentais.
Enfrentando a crise
Apesar das evidências, poucos projetos que visam a conservação e a melhoria do meio ambiente mostram qualquer reconhecimento dessas questões, constatou a IUCN. De acordo com a entidade, as tentativas de enfrentar a crise climática fracassam porque as questões de gênero não são abordadas.
“Este estudo aumenta a urgência de interromper a degradação ambiental juntamente com ações para interromper a violência de gênero em todas as suas formas e demonstra que os dois problemas geralmente precisam ser tratados juntos”, afirma Grethel Aguilar, diretora geral do IUCN.
— Não tem como você achar uma solução climática sem inclusão. Não tem como se construir políticas de mitigação ou de prevenção sem a inclusão de todos os segmentos sociais, inclusive as mulheres — reforça Joci Aguiar, coordenadora do Observatório do Clima, entidade que reúne diversas organizações da sociedade civil que atual na defesa do meio ambiente.
Aguiar lidera a formação do primeiro grupo de gênero e clima do Observatório do Clima, que está sendo formado e realizará sua primeira reunião na próxima semana. Ela conta que a necessidade de se discutir o assunto vem se consolidando desde 2018 e agora a ideia será tirada do papel.
— Tínhamos uma visão masculina do problema e as mulheres eram meras pesquisadoras. Mas não havia nada voltado para as mulheres que estão na defesa da floresta e para as mulheres que são as primeiras impactadas dos fenômenos climáticos — diz a economista — As mulheres estão se organizando para ter influência nas políticas climáticas dos países. O nosso encontro na próxima semana servirá para iniciar de uma forma mais concreta esse debate aqui. Nosso objetivo é inserir a ótica de gênero nas metas climáticas do Brasil.
Fonte: O Globo