“Nós, como pescadores, sentimos na pele”, diz Antonia Naiane, que vive na Ilha das Canárias e tem na pesca sua principal fonte de renda. “O avanço do rio, a diminuição do pescado. Tu tira o mangue dali, [e consequentemente] vai diminuir os peixes, caranguejos, camarões, tudo, porque é ali que eles ficam”, conta a pescadora. O manguezal, ecossistema que se estende desde o Amapá até Santa Catarina, abriga dezenas de espécies marinhas e biodiversas, sendo fundamental para preservar a linha da costa, evitando sua erosão. Dos rios e mangues, milhares de mulheres tiram o sustento de suas famílias.
O manguezal, ecossistema que se estende desde o Amapá até Santa Catarina, abriga dezenas de espécies marinhas e biodiversas, sendo fundamental para preservar a linha da costa, evitando sua erosão. Dos rios e mangues, milhares de mulheres tiram o sustento de suas famílias.
Mas entidades locais do Piauí e do Maranhão denunciam que isso está ameaçado pelo turismo predatório, pela especulação imobiliária e pelos efeitos das mudanças climáticas.
A artesã Claudiana Carvalho da Costa, a pescadora Antonia Naiane de Carvalho Oliveira e a pesquisadora Dayanne Batista Sampaio percebem o impacto da degeneração do ecossistema e das ameaças sob seus territórios. As três fazem parte do Mulheres do Delta do Parnaíba, coletivo independente de mulheres da Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba. Degradar o mangue gera uma reação em cadeia, na qual rios e mares são impactados diretamente. E quem depende deles também. Com isso, Dayanne explica que ocorre um “apagamento da história, da cultura, dos valores e desse modo de vida, que vem sendo tensionado e permeado pelo turismo”. As consequências são a perda do próprio senso de comunidade, tornando mais difícil se organizar em associação, demandar seus direitos e se sentir pertencente a um grupo. A pesquisadora, que é baseada em Parnaíba (PI), estuda como isso interfere nas infâncias do território, e cita que já percebe como muitos nativos não se identificam mais como ribeirinhos ou tradicionais. “Hoje, já não se tem mais uma prática da criança e do adolescente ir pescar com os pais, com os avós. Não se tem essa conversa sobre a história do lugar, sobre a pescaria, sobre essa importância do mangue. Acaba que essas crianças e esses adolescentes têm mais acesso a história de outros lugares do que a sua própria”.
É por isso que Claudiana fomenta o turismo de base comunitária na Ilha das Canárias. Ela busca receber “um público que quer conhecer a comunidade e que quer aprender os costumes”. A artesã conecta sua iniciativa com a rede de mulheres da Reserva, mostrando que é possível impactar positivamente o território e o ecossistema costeiro. A importância dos manguezais A revista Frontiers in Forests and Global Change publicou um estudo, em 2022, indicando que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que um mesmo hectare de outro bioma qualquer.
Ao mesmo tempo em que os manguezais são essenciais para conter e mitigar a crise climática, destruí-los piora ainda mais o quadro do aquecimento global. Isso porque é necessário que o carbono armazenado pelo ecossistema permaneça no ecossistema. Conforme um artigo publicado pelo Jornal da USP, a perda de 1% dos manguezais do mundo equivale à queima de 520 milhões de barris de óleo.
Com a crise climática em curso, os impactos na costa já podem ser observados e experienciados por meio da elevação do nível do mar e o agravamento de eventos extremos como ressacas, tempestades e vendavais. Isso pode agredir ou erodir os sistemas costeiros, ocupados pelos manguezais.
“Essa é mais uma razão do porquê preservar os manguezais e garantir a autonomia das marisqueiras é essencial para frear as mudanças do clima”, diz Camilla, fundadora e diretora do Instituto Caburé.
Como preservar o mangue?
Hoje, no Dia Internacional de Proteção aos Manguezais (26), acontece o Delta Mulher na missão de reverter este cenário. A atividade é liderada pelo Instituto Caburé, que atua para o desenvolvimento socioambiental e cultural em comunidades tradicionais no nordeste.
O evento é uma reunião coletiva de diálogos sobre as demandas das mulheres da Área de Proteção Ambiental (APA) Delta e da Reserva Extrativista (Resex) Delta do Parnaíba, localizadas ao norte do Ceará, Piauí e Maranhão. O objetivo é definir estratégias para proteger os territórios, além de celebrar a importância e o protagonismo das guardiãs dos mangues.
Na agenda, estão presentes as marisqueiras e pescadoras de Cajueiro da Praia (PI), Luís Correia e Ilha Grande (MA), e da Resex do Delta do Parnaíba (PI e MA); o Projeto Verde Vida Mangue, atuante em ambos estados; representantes do ICMBio; e as fundadoras da organização Filha do Sol.
Camilla Marinho espera que ao final do encontro sejam criadas estratégias para fomentar um turismo de base comunitária que garanta a proteção e o desenvolvimento sustentável das populações costeiras. “A realidade local é de ameaças a essas comunidades. Não digo que o turismo não tem que chegar, mas isso pode e deve ser feito de forma planejada e visando os interesses dessas populações locais. O turismo é sustentável quando tem consulta pública, diagnóstico social-participativo e inclui os interesses das comunidades”, defende Camilla.
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Fonte: Ecoa Uol