Caroline, 28, já foi hospitalizada três vezes por risco de suicídio, devido a fortes crises de depressão. A última foi em fevereiro deste ano, quando ao dar entrada numa unidade de saúde sozinha, foi colocada pela equipe médica num leito e recebeu atendimento de seu psiquiatra, para estabilizá-la e conversar. Formada em letras e vivendo em São Paulo, ela, que pediu para não colocar o nome completo, conta que se sentia mal por não estar trabalhando nem conseguir realizar as tarefas domésticas. “Ou seja, por não ter planos nem perspectivas, tanto em casa quanto fora dela”, diz.
Dados do Ministério da Saúde mostram que houve um aumento de 50% na taxa de suicídio entre mulheres, de 2009 a 2019. O número aumentou de 1.872 para 2.817. Entre a população masculina, o crescimento foi de 37% no mesmo período. Ao todo, foram registrados 121.125 suicídios nesses dez anos no país, uma média de 12 mil por ano. Os dados de 2019 são preliminares, ou seja, ainda estão sendo compilados.
“É importante continuar o tratamento”
Caroline, que tem casos de depressão e de outros problemas de saúde mental na família, conta a Universa que começou a sentir os primeiros sinais da doença na adolescência. Mas o “gatilho” que a fez perceber o problema aconteceu há quatro anos, quando saiu de São José dos Campos, no interior de São Paulo, para viver na capital, e passou a trabalhar na movimentada avenida Paulista. A adaptação foi difícil e ela passou a odiar o ambiente em que atuava. “Lembro que observava as sirenes e todo o trânsito e tinha crises de ansiedade ali mesmo na Paulista, onde ficava o meu trabalho. Comecei a me afastar do emprego até que pedi demissão.”
Caroline não tinha vontade de fazer nada e enfrentava problemas estomacais. Ela então buscou terapia e recebeu o diagnóstico da depressão. Os sintomas foram piorando até chegar ao pensamento suicida. A esta altura, ela se consultava com um psiquiatra e chegou a testar mais de seis antidepressivos. “Acontece de muitos [remédios] não fazerem efeito, mas é importante continuar o tratamento, mesmo que não chegue à metade do resultado esperado. Se não fosse a psiquiatria e terapia, teria morrido há muito tempo”, diz.
Há vários caminhos que levam a pessoa a tentar o suicídio, e um deles é a falta de esperança. Não se trata de uma vontade de tirar a vida, mas de acabar com uma situação que parece interminável. Nessa última vez em que fiquei internada, a sensação era de querer acabar com aquela dor. Acho que ninguém quer tirar a vida mesmo. Mulheres são mais afetadas pela depressão O número de pessoas que vivem com depressão aumentou 18% entre 2005 e 2015, segundo relatório global lançado em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No documento informa-se que no Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas (5,8% da população), enquanto distúrbios relacionados à ansiedade afetam mais de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população).
O relatório “Depressão e outros distúrbios mentais comuns: estimativas globais de saúde” aponta que 322 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com este transtorno mental, a maioria mulheres. A psiquiatra Carmita Abdo, professora da faculdade de medicina da USP e autora do livro “Da depressão à disfunção sexual”, lista o acúmulo de tarefas que a mulher desempenha em casa e no trabalho, além da falta de segurança, diante do aumento dos índices de violência contra a mulher, como fatores que levam esse público ao sofrimento extremo.
“É triste a notícia de que cresceu essa taxa de suicídio, tanto para homens quanto para mulheres. Mas a mulher acabou acumulando mais tarefas nesse período, e veio a vulnerabilidade ao sair de casa, porque corremos mais riscos pela falta de segurança, além das condições de trabalho ainda hoje menos remunerado do que o do homem. E a dificuldade financeira afeta muito as mulheres, principalmente daquelas que sustentam suas famílias”, diz Carmita. “Essas situações levam a uma qualidade de vida muito baixa e a uma maior exposição a quadros depressivos, que são a base da imensa maioria dos suicídios”, explica a psiquiatra, que é ainda integrante da Comissão Nacional Especializada de Sexologia, da Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia).
Uma pessoa que tenta se matar não necessariamente tem depressão, apesar de existirem muitos casos de pessoas que tinham depressão e se mataram, conforme explicou a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu a Universa. Perda de esperança, sensação de impotência, mudança repentina de humor e abuso de álcool, cigarro e outras drogas são sinais de que a pessoa pode precisar de ajuda. Dos mais próximos a ela e de profissionais também.
“A pessoa não resolve hoje que vai acabar com sua vida imediatamente. No geral, é algo que vai pensando em como fazer, brigando com ela mesma”, explica Carmita. Quarentena fez quadro piorar Com a voz embargada, Caroline conta que enfrenta um momento bem difícil por conta da quarentena provocada pelo novo coronavírus. E ela, obviamente, não é a única.
Pesquisas apontam que as mulheres estão sobrecarregadas mesmo, já que agora elas têm que se preocupar com o trabalho —as que têm emprego— e com as aulas online das crianças, quando mães, além das tarefas domésticas. Um estudo, realizado pelo grupo Mulheres do Varejo com pessoas que trabalham de forma direta ou indireta na área, mostra que para 39% dos homens não houve medo nem pavor no início do isolamento social, enquanto apenas 18% das mulheres se sentiram tranquilas diante do novo cenário. As mulheres também se cobraram mais no início com relação à produtividade —um terço delas— e ao desempenho de tarefas como participação em cursos e prática de exercícios físicos.
Já pesquisa feita pela Kaiser Family Foundation, ONG americana que se debruça sobre questões de saúde pública, aponta que a pandemia de covid-19 causou mais impacto na saúde mental das mulheres do que dos homens. Segundo os dados, mais mulheres afirmaram que a preocupação ou estresse ligado o novo coronavírus teve impacto negativo em seu psicológico: foram 53% contra 37% dos homens, ou seja, uma diferença de 16%. “Ficaram muito recorrentes as crises de ansiedade e a desesperança [durante a pandemia]. Acho que para a maioria, até mesmo para quem não sofre com transtornos mentais. É muito difícil, principalmente porque as pessoas não acreditam que a depressão existe, e acham que é só fazer cursos ou viajar para solucionar. Não é assim. É preciso tratamento”, afirma Caroline.
“Uma chance para ser feliz” Larissa Souza, de 26 anos, tentou se matar em fevereiro. Ficou em coma e depois foi internada na ala psiquiátrica de um hospital em Macaé, no Norte Fluminense. Não foi a primeira vez que ela tentou tirar a própria vida. De licença de uma rede de fast food, onde trabalha como coordenadora, ela morou quase dez anos com uma tia, longe da mãe, e fala que essa distância a afetou bastante, provocando sintomas de ansiedade e depressão, que se agravaram ainda mais após o término de um casamento de sete anos, desfeito em 2019.
“Meu maior machucado é a carência. E o que mais me afetou na separação foi ter perdido o meu melhor amigo”, ela explica, referindo-se ao ex. No meio da turbulência, trocou de emprego e tentou o suicídio. “A sensação é de querer acabar com a dor, de querer zerar o jogo”, ela descreve. Mas agora Larissa enxerga nas pedaladas diárias que faz pela cidade e nas amizades que conquistou sobre duas rodas, com grupos de ciclistas, uma solução para recuperar corpo e mente. Ela diz que é na atividade onde se distrai. Fez ainda uma lista de lugares que quer conhecer e de “coisas legais para fazer sozinha, como pular de paraquedas”.
“Tentei recomeçar a viver. Eu queria viver. Só não sabia como ficar viva. Então, tive ajuda e me permiti uma chance para ser feliz. Tentei ver o lado bom de todas as coisas e esquecer o passado para viver o hoje”
Quem tem pensamentos suicidas e precisa de apoio emocional pode ligar para o CVV (Centro de Valorização da Vida) no número 188. Existem ainda os prontos-socorros psiquiátricos, que podem ser especializados ou funcionar em hospitais gerais. São eles que devemos procurar em casos de urgência e emergência emocional. Os prontos-socorros psiquiátricos especializados costumam ficar próximos de hospitais gerais, uma vez que o paciente pode precisar da avaliação de outros especialistas como um neurologista ou um cardiologista, por exemplo.
Fonte: UOL Universa