“Eu chorava no banho pensando que meu filho não tinha comido um prato ‘colorido’ e saudável naquele dia”, lembra Karina Ramos, analista de finanças e mãe de Antônio, uma criança de 4 anos. Assim como muitas outras mães, ela sentiu-se sobrecarregada pelas tarefas domésticas, pelo trabalho e pelos cuidados com os filhos durante a pandemia de Covid-19, o que a levou ao esgotamento mental e a receber um diagnóstico de burnout.
A síndrome de burnout é um distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema e pelo acúmulo de funções no trabalho. Mas já na década de 80, duas pesquisadoras belgas, Isabelle Roskam e Moïra Mikolajczak identificaram a burnout parental: uma síndrome de exaustão, caracterizada pelo esgotamento físico e mental provocado pelos desafios de ser mãe ou pai. Um estudo global realizado pelas duas especialistas na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, em 2018, revelou que 1,3% das mães brasileiras já enfrentavam uma situação de esgotamento naquele período. Elas garantem que os casos se agravaram durante a pandemia.
“O burnout parental está sendo usado como uma diferenciação, mas se você pensar, o trabalho doméstico é um trabalho. Essa nomenclatura mostra que não consideramos o trabalho doméstico como um trabalho digno”, diz Luísa Volpato, psicóloga especialista em assuntos maternos.
Para investigar como e por que esse esgotamento atinge as mulheres brasileiras de forma mais massiva, Universa foi a fundo no assunto e publica, essa semana, 5 reportagens sobre o tema. Carreira, trabalho, relacionamentos, maternidade e ainda uma entrevista com a autora americana Anne Helen Petersen que, após uma experiência pessoal, escreveu o best seller “Não aguento mais não aguentar mais: Como os Millennials se tornaram a geração do burnout” (ed. HarperCollins Brasil). O sucesso de vendas da publicação confirma o que especialistas ouvidos dizem: a sensação de esgotamento pode até não ser novidade, mas a preocupação em entender suas causas e soluções é um tema urgente.
“Me sentia irritada e culpada ao mesmo tempo”
Karina, que tem 29 anos e é analista de finanças, conta que, com a chegada da pandemia, teve que assumir as tarefas de casa por tempo integral. “Meu ex-marido trabalhava fora e eu ficava sozinha com o Antônio durante o dia. Enfrentei situações vergonhosas, em que ele invadia a câmera durante reunião do trabalho pelado porque estava passando pelo período de desfralde. Eu não conseguia descansar”, conta. “Comecei a ter crises de ansiedade, acordava no meio da noite suando frio, coração palpitando. Me sentia irritada e culpada ao mesmo tempo.”
No mês de setembro de 2020, em uma consulta de rotina com sua ginecologista, Karina começou a chorar desesperadamente na frente da médica. Foi então que a profissional a acolheu, conversou sobre o assunto com a analista e a encaminhou para tratamento terapêutico.
“A culpa estava sempre ao meu lado. Ele (Antônio) não tinha culpa de nada do que estava acontecendo no mundo e também não tinha escolhido ser meu filho”, diz. “Eu tenho certeza que o burnout aconteceu não só por eu ter que cuidar do meu filho, mas por ter que cuidar do meu filho, de dar conta do trabalho e ainda realizar as tarefas domésticas”, afirma Karina, que terminou o relacionamento de 9 anos com o pai de Antônio no final de 2020.
“Sem dúvidas a sobrecarga mental agravou meu caso. É muito incrível como esse transtorno acomete muito mais as mães – e não os pais. Os homens vivem uma paternidade sem culpa, o básico bem feito está ótimo para eles. Eu vejo o quanto o planejamento das coisas recai sobre a gente. Não basta apenas fazer o jantar, é preciso se preocupar com a compra da comida”, diz Karina.
Karina compartilha que o processo de recuperação não foi fácil. “Levou pelo menos dois meses de terapia para eu ‘me encontrar’. O burnout acontece com mulheres que tem mais necessidade de controle, que querem tudo perfeito. Entendi que podia falhar, que não tinha controle sobre tudo, mas estava fazendo o meu melhor. Comecei a focar em atividade física e entendi que não tem nenhum problema em pedir ajuda para outras pessoas”.
Acúmulo de tarefas agrava quadro
A sobrecarga mental também levou a professora e influenciadora digital Aline Barbosa, de 32 anos, a sofrer uma crise de burnout. Ela é mãe solo de quatro crianças, Laura, de 13 anos, Vicente, 8, Joaquim, 5, Antonia, 3. “Em julho de 2021, tive uma crise de ansiedade e fui parar no hospital. Estava com o corpo cheio de bolhas e a médica me disse que era estresse. Logo em seguido me identificaram com burnout parental e fui encaminhada para acompanhamento psicológico”.
Aline diz que foi preciso uma mudança de comportamento pessoal para reverter a situação: “Eu me cobrava muito, e com a terapia entendi que não precisava dar conta de tudo – deixar algo para depois não é um problema. A psicóloga me disse que não era errado eu ter um tempo para mim; eu não seria menos mãe por isso”.
Uma rede de apoio prestativa é essencial para que a mulher saia de situações como a de Aline e de Karina. “Quando eu preciso fazer algo fora de casa, tipo ir ao mercado, ou fazer algo referente a trabalho, tirar um dia de folga, sei que posso contar com minha família para cuidar das crianças. Eu ainda sinto vergonha de pedir esse favor a eles, mas hoje me sinto mais confortável para fazer isso”, afirma.
Para a psicóloga especialista em temas relacionados a maternidade Luísa Volpato, o burnout parental surge, principalmente, da idealização da maternidade. “Maternidade não é um campo de flores. Nem sempre você vai conseguir realizar todas as tarefas que o seu filho demanda; não somos super-heroínas. Está tudo bem você amar ser mãe, mas odiar a maternidade”, explica.
Luísa ressalta que o trabalho doméstico sempre trouxe exaustão à mulher, mas por causa da pandemia, o cenário se agravou: “Elas passaram a viver uma dupla jornada de trabalho ainda mais intensa, sem ter para onde fugir. Sem poder descansar – nem maternar direito”.
Diferentemente de Karina, a influenciadora digital Aline Barbosa não precisou de medicação para se recuperar da crise de burnout. Mesmo assim, ainda hoje, sente medo de uma recaída: “Morro de medo do que vivi e não quero passar por aquilo novamente. Aprendi a ter momentos só meus, a fazer exercícios físicos todos os dias. Reparei que, quando a mãe está feliz, os filhos também estão felizes.”
O médico psiquiatra Henrique Vicentini pondera que não são todos os casos de burnout em que a vítima precisa de remédios. “Às vezes, apenas com o acompanhamento psicológico, ela consegue sair da crise. É importante, porém, fazer um diagnóstico correto, para entender se a pessoa está com depressão ou esgotada – no caso das mães, por exemplo, antes do diagnóstico do burnout, é preciso descartar a depressão pós-parto”.
Fonte: UOL