Relatório do TCU, que busca subsidiar brasileiras em reunião da Comissão sobre a Situação das Mulheres da ONU, destaca pontos a serem enfrentados para se alcançar equidade de gênero
Para muito além dos efeitos deletérios imediatos, o desmonte das mais diversas políticas públicas durante os governos de Michel Temer (MDB) e, especialmente, de Jair Bolsonaro (PL), trouxe atrasos profundos que podem levar anos para serem sanados. Um exemplo disso pode ser constatado em relatório lançado de maneira virtual nesta segunda-feira (17) pelo Tribunal de Contas da União (TCU), relativo às políticas voltadas à igualdade de direitos entre homens e mulheres.
O relatório, intitulado “Revisão de Políticas Públicas para Equidade de Gênero e Direitos das Mulheres”, assinala que embora o país tenha dado passos importantes nas últimas décadas para superar esse tipo de desigualdade, houve retrocessos que demandam atenção por parte de governos para serem superados de maneira rápida e eficiente.
Na avaliação de Vanessa Lopes de Lima, secretária de Controle Externo de Desenvolvimento Sustentável do TCU, “apesar de alguns avanços, ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a igualdade de gênero no Brasil. A desigualdade persiste em várias dimensões, como na participação econômica e no empoderamento político. Isso reflete a baixa participação das mulheres em posições de alto rendimento e no Parlamento, além das diferenças salariais em relação aos homens”.
Dentre as experiências positivas conquistadas em anos passados estão, por exemplo, a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2003; a Lei Maria da Penha e o Disque 180, em 2006; a criação de delegacias, patrulhas e casas de acolhimento especializadas no atendimento à mulher, bem como mecanismos de proteção no âmbito do Executivo e do Judiciário e, mais recentemente, a lei de igualdade salarial, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde e da Dignidade Menstrual e a Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher, entre outras.
Por outro lado, conforme aponta o relatório, houve perdas que influenciam diretamente nas dificuldades enfrentadas pelas mulheres. Em 2022, por exemplo, último ano de Bolsonaro, ocorreu a menor alocação de recursos federais para o enfrentamento da violência contra a mulher.
Além disso, o governo anterior foi marcado pela baixa execução orçamentária e pela redução do escopo das ações implementadas. Entre 2019 e 2022, foram autorizados R$ 68,22 milhões para o enfrentamento da violência contra a mulher. No entanto, apenas R$ 35,34 milhões (51,8%) foram de fato liquidados. No exercício de 2022, o crédito autorizado foi de R$ 950 mil, mas não houve nenhuma liquidação de recursos.
Do ponto de vista institucional, um aspecto importante levantado foi o processo que levou ao fim da pasta dedicada às mulheres, iniciado com a crise que resultou no impeachment de Dilma Rousseff.
Após assumir a presidência, Michel Temer (MDB) extinguiu, em 2016, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH) — que havia incorporado a Secretaria de Políticas para as Mulheres ainda em 2015, o que também foi considerado um passo atrás na constituição e fortalecimento de políticas de gênero.
As frentes conduzidas pelo ministério foram, então, incorporadas ao Ministério da Justiça, diluindo a abordagem voltada a essa temática. Somente em 2023, com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva, as mulheres voltaram a ter um ministério próprio.
Para além de uma pasta própria para o tema, o TCU também considera fundamental a transversalidade entre os órgãos e estruturas governamentais, o que tem sido buscado nesses últimos anos, de forma a estabelecer políticas abrangentes e que contemplem a construção da igualdade de gênero nas mais variadas frentes de atuação do poder público.
“O sucesso dessas políticas depende, portanto, da definição de uma estrutura de governança capaz de promover a coordenação e a articulação intersetoriais, além do compartilhamento de dados e informações”, diz o relatório.
O TCU também chamou atenção para a importância da criação de mecanismos institucionalizados de coleta de dados que permitam ao poder público identificar os inúmeros subgrupos existentes na população feminina, em razão da interseccionalidade.
Entre os principais problemas enfrentados pelas mulheres brasileiras, o TCU alertou para pontos como a violência (física, sexual, psicológica, doméstica, institucional, feminicídio); a deficiência no registro e na gestão de dados relativos à violência contra a mulher; a falta de garantia de ações de saúde específicas e de direitos sexuais e reprodutivos; desigualdade na educação, em áreas dominadas por homens; desigualdade no mercado de trabalho e na autonomia econômica; baixa ocupação nos espaços de poder e baixo percentual de municípios com organismos de políticas para mulheres.
Durante o lançamento do estudo, Isis Taboas, assessora especial do Ministério das Mulheres, lembrou Simone de Beauvoir ao dizer que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. “Ela nos avisava, portanto, que os nossos direitos não são permanentes; que devemos nos manter atentas e vigilantes durante toda a nossa vida, durante toda a nossa existência”, afirmou.
Ela salientou que atualmente, o mundo atravessa uma crise ideológica global, cujos líderes põem em xeque aspectos básicos, como a igualdade de direitos entre homens e mulheres. “Não podemos permitir que essa crise ideológica e política retroceda naquilo que já conquistamos. E mais: não apenas não podemos retroceder como também precisamos avançar, e avançar rápido”, salientou Isis.
Pequim+30
O documento “Revisão de Políticas Públicas para Equidade de Gênero e Direitos das Mulheres” tem como objetivo oferecer subsídios à participação da delegação brasileira na 69ª reunião da Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW) da Organização das Nações Unidas (ONU), que acontece de 10 a 21 de março, em Nova York.
O encontro marcará os 30 anos da adoção da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (Pequim+30), um plano de atuação global para promover os direitos das mulheres e meninas, adotado em 1995 por 189 países, entre os quais o Brasil.
Cabe lembrar que segundo levantamento da ONU de 2023, considerando o ritmo do momento em que a análise foi feita, a igualdade de gênero só será alcançada em cerca de 300 anos no mundo. Os desafios a serem discutidos e colocados em prática, portanto, são imensos e urgentes.
Fonte: Vermelho