No dia nacional de conscientização sobre a hipertensão, especialista chama a atenção para os riscos da doença no sexo feminino
É com grande preocupação que vejo as estatísticas destacando as doenças cardiovasculares como a principal causa de morte entre as mulheres em todo o mundo. Os dados recentes disponibilizados pelos estudos da edição especial dedicada às mulheres (Go Red For Women) da revista Circulation, da Associação Americana do Coração, ressaltam uma realidade que não pode ser ignorada: o coração delas merece atenção especial.
Durante décadas, as doenças cardiovasculares foram associadas predominantemente aos homens, enquanto acreditava-se que nós estávamos relativamente protegidas devido aos hormônios intrínsecos ao sexo feminino, especialmente o estrogênio. No entanto, as pesquisas mais recentes têm desafiado essa concepção, revelando diferenças significativas na apresentação clínica, fisiopatologia e resposta terapêutica entre homens e mulheres.
Estudos têm demonstrado, por exemplo, que nós temos a tendência a desenvolver hipertensão em idades mais avançadas, sendo menos frequente até os 50 ou 60 anos. Mas, após a menopausa, o risco aumenta, atingindo rapidamente o mesmo patamar que os homens – e ultrapassando-os a partir da sétima década de vida.
As alterações hormonais da menopausa – diminuição de estrogênio e o aumento de andrógenos circulantes – promovem vários distúrbios lipídicos. Adicionalmente, o excesso de gordura, principalmente abdominal, contribui para o desenvolvimento de resistência insulínica.
Essa associação de outros fatores de risco cardiovascular, incluindo ainda a obesidade, o diabetes e a dislipidemia, que vêm crescendo entre o sexo feminino, aumenta a chance de eventos cardiovasculares, pois os efeitos deletérios se somam. Por isso, é cada vez mais fundamental a abordagem multidisciplinar no tratamento da hipertensão na mulher.
Contudo, uma parcela considerável de profissionais de saúde se sente despreparada para abordar o risco de doenças cardiovasculares nas mulheres – apenas 22% dos médicos de cuidados primários e 42% dos cardiologistas, em um inquérito realizado pelos pesquisadores de um dos estudos publicados nessa edição especial da Circulation, relataram se sentir aptos a abordar o tema. Essa falta de preparo não apenas compromete o cuidado individualizado, mas também reflete um problema sistêmico que precisa ser abordado com urgência.
A atenção à saúde cardiovascular durante a gravidez e o período pós-parto também é crítica, considerando o aumento da prevalência de condições como pré-eclâmpsia (25% nas últimas duas décadas), com repercussões de longo prazo na saúde feminina.
Já entre as mulheres mais jovens, o uso de contraceptivos combinados e a reposição hormonal sem indicação formal, associados ao tabagismo, representam uma combinação nefasta que aumenta o risco de trombose com consequências deletérias para o aparelho cardiovascular.
Para enfrentar esses problemas todos, é necessário um esforço conjunto dos agentes envolvidos no cuidado básico de saúde. Os médicos devem adotar abordagens personalizadas, levando em consideração os fatores de risco específicos do gênero, e estar atentos aos sintomas que podem ser mais comuns nas mulheres.
A conscientização sobre a saúde cardiovascular entre o sexo feminino não é apenas uma questão de saúde pública, mas também uma questão de equidade de gênero. Campanhas de conscientização culturalmente sensíveis são essenciais para educar as mulheres sobre os benefícios da prevenção dessas doenças.
O controle da pressão arterial, a identificação e o tratamento de fatores de risco cardiovascular, aliados à promoção de um estilo de vida saudável e ao acompanhamento médico regular, são fundamentais para prevenir complicações e garantir o bem-estar e a longevidade da nossa população feminina.
* Erika Campana é cardiologista, mestre e doutora em medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), professora adjunta de cardiologia da UERJ e vice-presidente do Departamento de Hipertensão da SBC
Fonte: Veja