Há 210 anos, em 12 de outubro de 1810, nascia em Papari, no Rio Grande do Norte, Nísia Floresta, a primeira educadora feminista do Brasil. Pioneira na defesa dos direitos e na luta pela emancipação das mulheres, ela também defendia a abolição da escravidão e a liberdade religiosa em uma época em que somente homens brancos e de elite tinham direitos fundamentais, como à educação e ao voto, garantidos.
Nísia Floresta foi fundamental para o avanço da educação das mulheres no Brasil. No Brasil Colônia, o ensino formal era restrito à classe dominante, branca e masculina, e vedado a mulheres, pessoas negras e indígenas. Com a chegada da família real portuguesa, em 1808, os padrões de comportamento da elite brasileira sofreram profundas transformações e, no ano seguinte à transferência da Corte, foram fundados os primeiros colégios privados para meninas ricas e brancas. Porém, o ensino nestas escolas era voltado para prepará-las para o casamento, a maternidade e o cuidado doméstico.
Nas primeiras décadas do século XIX, uma efervescente imprensa feminina — liderada por mulheres privilegiadas que tinham podido estudar — passou a contestar essa realidade, reivindicando a emancipação moral e a educação pública para todas as mulheres. Com a aprovação da primeira Constituição brasileira, de 1824, o ensino tornou-se gratuito e extensivo para mulheres, mas não contemplava todos: negros e indígenas permaneceram excluídos. O direito ao voto também não foi estendido às mulheres nesta Constituição (o sufrágio feminino só viria a acontecer no Brasil em 1932).
Educação feminista
Neste contexto, Nísia Floresta se tornou umas das principais vozes na defesa da educação como meio fundamental para a emancipação das mulheres. Em 1838, ela fundou o Colégio Augusto, no Rio de Janeiro, para receber meninas e adolescentes. Ali, além de ler e escrever, contar, coser e bordar, elas aprendiam gramática do idioma nacional, francês, italiano, ciências e noções de geografia.
Em um tempo em que as mulheres brasileiras ou viviam trancafiadas em casa, ou eram escravizadas, Nísia ampliava o ensino para moças para além das atividades domésticas e escrevia livros e mais livros para defender ideais abolicionistas, republicanos e principalmente feministas, posicionamentos extremamente inovadores na época.
Ela influenciou a prática educacional brasileira, rompendo limites do lugar social destinado à mulher, sendo uma das primeiras mulheres no Brasil a publicar textos em jornais da chamada grande imprensa.
“Nísia foi uma honrosa exceção em meio à massa de mulheres submissas, analfabetas e anônimas, e, por isso, costuma ser lembrada como a precursora do feminismo no Brasil e na América Latina, pois não existem registros de textos anteriores realizados com essas intenções”, escreve a pesquisadora Constância Lima Duarte, autora do livro “Nísia Floresta: vida e obra”.
Ela lembra que não faltou quem criticasse o colégio de Nísia, que funcionou por 17 anos, até 1855, por incluir disciplinas consideradas supérfluas para a formação das meninas. Um dos críticos, na edição de 2 de janeiro de 1847 do jornal O Mercantil, fez o seguinte comentário acerca dos exames finais em que várias alunas haviam sido premiadas com distinção: “trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos.”
Direitos das mulheres
Em 1832, Nísia publica o livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” — que chamou de tradução livre de “Vindications of the rights of woman”, da britânica Mary Wollstonecraft (1792) — onde trata dos direitos das mulheres à educação e ao trabalho, e exige que elas sejam consideradas inteligentes e merecedoras de respeito pela sociedade.
“Que direito, pois têm eles [os homens] de nos desprezar, e pretender uma superioridade sobre nós, por um exercício que eles partilham igualmente conosco? Todos sabem, nem se pode negar, que os homens olham com desprezo para o emprego de criar filhos e que é isso, às suas vistas, uma função baixa e desprezível; mas se consultassem a natureza nesta parte, sentiriam sem que fosse preciso dizer-lhes, que não há no Estado Social um emprego que mereça mais honra, confiança e recompensa”, escreveu Nísia.
No livro, ela identifica as origens do machismo na sociedade brasileira com a dominação portuguesa e desmistifica a ideia dominante da superioridade masculina.
“Se este sexo altivo quer fazer-nos acreditar que tem sobre nós um direito natural de superioridade, por que não nos prova o privilégio, que para isso recebeu da Natureza, servindo-se de sua razão para se convencerem?”, questiona. E continua:
“É um grande absurdo pretender que as ciências são inúteis às mulheres, pela razão de que elas são excluídas dos cargos públicos, único fim a que os homens se aplicam. A virtude e a felicidade são tão indispensáveis na vida privada como na pública, e a ciência é um meio necessário para se alcançar uma e outra.”
Em publicações posteriores, Nísia também tratou da situação dos povos indígenas no Brasil (A lágrima de um caeté, 1849) e questionou o sistema escravocrata (Páginas de uma vida obscura, 1855). Alguns anos mais tarde, por volta de 1870, a autora passa a defender apaixonadamente a abolição. Ela morreu em Rouen, na França, em 1885. A cidade em que nasceu no Rio Grande do Norte foi rebatizada e hoje leva seu nome.
Fonte: Celina | O Globo