Por : Adriana Amâncio
Até um ano atrás, a artesã indígena Roseli Kumaruara, 38, da aldeia Solimões, em Santarém (PA), era uma entre muitos moradores da Amazônia sem acesso ininterrupto à energia elétrica. Ela contava com um gerador coletivo movido a óleo diesel que era ligado entre 19h e 22h para fornecer energia para as 57 famílias da comunidade. “Só dava para carregar o celular ou assistir uma TV”, lembra.
Roseli descobriu um novo mundo ao adquirir um sistema de energia solar, e ela, o marido e os dois filhos passaram a contar com o recurso 24 horas por dia. O único problema era o medo de ter o serviço interrompido por falta de manutenção. “O controlador [regulador de carga] disparava e eu ficava desesperada, com medo de ele queimar”, conta. Ela tinha que esperar o marido chegar do trabalho para que o equipamento fosse ajustado e a falta de energia voltava a interromper as atividades na casa.
Esse não é mais um problema para Roseli, que se tornou uma “eletricista do sol”. Ela participou do curso do projeto da ONG Saúde & Alegria e aprendeu a realizar limpeza, manutenção e regulação dos disparos no controlador. “No curso, eu descobri que quando o controlador aquece, dispara e fica apitando. É preciso desligar para que ele volte a funcionar. Eu não sabia disso”, diz.
A ONG Saúde & Alegria, que oferece o curso, atua na implementação de sistemas solares na região oeste do Pará desde 1999. Em 2015, as implementações foram intensificadas e, um ano depois, tiveram início os cursos de eletricistas do sol, mas, desde então, apenas três mulheres haviam feito parte desse grupo.
São elas, entretanto, que passavam a maior parte do tempo com os equipamentos em casa, sem saber como lidar com um problema eventual. Para suprir essa lacuna, a ONG criou uma formação específica para elas. “Tínhamos receio de que as mulheres não participassem por não ocuparem os espaços públicos, mas tivemos 21 alunas, com participação ativa”, conta a coordenadora do Núcleo de Acesso à Água, Saneamento e Energias Renováveis da ONG, Jussara Salgado.
Uma delas foi Roseli. Agora ela sabe fazer manutenções preventivas, e o risco de perder o equipamento e ficar sem energia não existe mais. O sentimento é de alívio. “Eu não saberia mais viver sem energia constante, trabalho com artesanato e preciso ligar a minha furadeira, o meu filho estuda à noite e precisa de luz.”
Desde 2015 até aqui, a Saúde & Alegria implementou 55 painéis solares para uso em residência, 48 para bombeamento de água, 4 em escolas, 14 pontos de acesso à internet, 18 em unidades básicas de saúde, em cinco empreendimentos e em uma unidade socioprodutiva.
Na comunidade onde Roseli vive, apenas 10 das 57 famílias contam com sistema solar “offgrid”, comprados com recursos próprios. Esse tipo de sistema não é conectado à rede e funciona por meio de baterias que armazenam a energia solar. Jussara avalia que o grande desafio é ampliar o acesso das famílias indígenas à essa fonte. “A gente tem cerca de um milhão de amazônidas sem acesso à energia elétrica. É preciso políticas públicas para ampliar o acesso à energia a partir de fontes renováveis”, diz ela. Por isso, a iniciativa é tão importante. Enquanto fontes alternativas ao óleo diesel não forem estimuladas na região, a vida das famílias vai seguir dependendo de um dos combustíveis mais prejudiciais ao planeta.
Isso porque os combustíveis fósseis que produzem o óleo diesel, como o usado para na aldeia Solimões, estão entre os principais responsáveis pelos gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono e o metano, diretamente ligados ao avanço das mudanças climáticas. “Nós temos que rapidamente fazer a transição energética para evitar que ocorra o ecocídio”, alerta o cientista e climatologista, Carlos Nobre, um dos mais renomados cientistas de clima do mundo. Se a exploração de poços de combustíveis fósseis não cessar, constata ele, o aumento da temperatura do planeta “jamais” ficará em 1,5 ºC, e pode chegar a 2,5ºC até 2050.
Fonte : UOL