A perspectiva de gênero oferece uma ferramenta essencial para compreendermos as relações sociais que moldam a condição humana em todos os tempos e espaços. No contexto da sustentabilidade, essa visão pode se tornar um recurso valioso para identificar possíveis soluções para os desafios ambientais, especialmente na Amazônia. As ciências precisam dar visibilidade ao papel das mulheres na gestão da terra, destacando suas práticas que garantem a perpetuação dos sistemas vivos na natureza. A valorização desses saberes pode proporcionar uma base sólida para a adoção de práticas sustentáveis nas relações com o meio ambiente.
No entanto, não são apenas as ciências que devem se responsabilizar por essa visibilização. A mídia, especialmente a televisão, e a sociedade civil também devem se engajar na divulgação das práticas sustentáveis das mulheres. Movimentos feministas têm desempenhado um papel fundamental, tanto ao resgatar a história das mulheres quanto ao promover o desenvolvimento sustentável. As mulheres, de maneira geral, apresentam uma relação menos destrutiva com o meio ambiente quando comparadas aos homens. Elas adotam uma racionalidade preservacionista, com foco na conservação do solo, das plantas, da água e dos animais. Essa racionalização intuitiva tem como horizonte a continuidade da vida e a preservação do planeta.
De acordo com o pensador Morin (2003), as ações dos indivíduos são moldadas por paradigmas culturais que orientam seu comportamento. No caso das mulheres, essa racionalidade é válida, pois elas são essenciais na reprodução social, cultural e biológica. A relação delas com a natureza, especialmente no campo da agricultura, é profundamente vinculada ao ciclo da fecundidade e natalidade. A terra, assim como a mulher, é vida — ambas são fecundas e criadoras, essenciais para a perpetuação das espécies e do planeta. A forma como as mulheres se relacionam com o meio ambiente reflete sua conexão vital com a terra e com o conceito de equilíbrio, como apontado por Torres (2009).
Este conhecimento ecológico se alinha à ecologia profunda, uma filosofia que enfatiza a interconexão entre todos os seres vivos e o ambiente, como propõe Capra (2001).
O impacto da crise climática nas mulheres da Amazônia
Ironia do destino, essas mulheres, que cuidam do planeta com tanto zelo, são as mais afetadas pela crise climática e ambiental. As mulheres rurais, que desempenham um papel central na produção de alimentos orgânicos usando sementes crioulas e práticas agroflorestais, enfrentam grandes desafios devido às mudanças climáticas. Elas são responsáveis por atividades como o cultivo de mandioca, hortaliças e leguminosas, e dependem diretamente da água e da fertilidade do solo para garantir o sucesso de suas lavouras.
Os impactos da crise climática são mais intensos em períodos de estiagens severas, e as mulheres sentem em seus corpos-territórios as consequências desse desequilíbrio planetário. A transição energética deve envolver essas mulheres, seus saberes tradicionais e formas de organização social. A energia solar, sob o controle das mulheres da floresta, é uma alternativa viável para enfrentar os desafios climáticos. Essa possibilidade foi evidenciada por uma pesquisa realizada em cinco comunidades rurais da Amazônia, que apresentou resultados promissores.
A necessidade de políticas públicas para as mulheres da floresta
As mulheres da Amazônia necessitam de políticas públicas estruturantes que atendam às suas realidades e potencializem suas contribuições para a preservação do meio ambiente. A política pública deve ser vista como a produção da própria vida social, abrangendo a floresta, os rios e a terra. As políticas precisam sair da superficialidade e da imediatez de ações pontuais, avançando para a proteção da vida no espaço rural.
O Estado brasileiro deve deixar de ver as mulheres apenas como guardianas da biodiversidade amazônica. Elas precisam ser reconhecidas como sujeitos de direitos, com voz ativa e direitos garantidos como cidadãs brasileiras. O empoderamento das mulheres e a valorização de suas práticas sustentáveis são fundamentais para enfrentar a crise climática e garantir a perenidade da Amazônia.
Fonte: Revista Cenarium