Em um ano, morreram assassinadas 66,7% mais mulheres negras do que brancas no Brasil. Essa é uma das conclusões do Mapa da Violência 2015, que será divulgado nesta segunda-feira pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Nesta edição, o foco do levantamento é a violência de gênero no país.
O estudo foi considerado inovador pela representante da ONU Mulheres Brasil, Nadine Gasman, ao revelar a “combinação cruel” que se estabelece entre racismo e sexismo: em uma década (a pesquisa abarca o período de 2003 a 2013), os feminicídios contra negras aumentaram 54%, ao passo que o índice de mortes violentas de mulheres brancas diminuiu 9,8%.
No total, em 2013, 4.762 mulheres foram assassinadas no país, posicionando-o no quinto lugar no mundo — só está melhor do que El Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa. Foram 13 homicídios femininos por dia: uma mulher morta a cada 1h50min. A situação equivale ao extermínio de todas as mulheres em 12 municípios do porte de Borá (SP) ou Serra da Saudade (MG), que têm menos de 400 habitantes do sexo feminino.
— As mulheres negras estão expostas à violência direta, que lhes vitima fatalmente nas relações afetivas, e indireta, àquela que atinge seus filhos e pessoas próximas. É uma realidade diária, marcada por trajetórias e situações muito duras, que elas enfrentam, na maioria das vezes, sozinhas — diz Nadine.
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Os dados, julga ela, denunciam uma “bárbara faceta do racismo”, sendo urgente acelerar respostas institucionais concretas a favor das mulheres negras. O Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20, motivou a escolha do mês de lançamento da pesquisa.
O Mapa da Violência conclui que a população negra é vítima prioritária da violência homicida no Brasil, enquanto as taxas de feminicídio contra a população branca tendem, historicamente, a cair.
Em uma década, o índice de vitimização das negras — cálculo que resulta da relação entre as taxas de mortalidade de ambas as raças — cresceu 190,9% em todo o país, número que ultrapassa os 300% em alguns Estados, como Amapá, Pará e Pernambuco.
Diferenças entre Estados
Os Estados com maiores taxas de feminicídio de negras são Espírito Santo, Acre e Goiás. O número de mulheres negras assassinadas só diminuiu em Rondônia e em São Paulo.
Nem a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006, foi capaz de encolher a estatística. Depois da promulgação da lei, apenas cinco Estados registraram queda nas taxas.
A vitimização das mulheres negras veio em uma escalada íngreme entre 2003 e 2012, mas sofreu queda em 2013. Ainda é cedo para comemorar, no entanto. Conforme os procedimentos metodológicos do Mapa da Violência, esse aspecto só se configura como real tendência se houver três anos consecutivos de diminuição.
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Servidora pública e membro do coletivo Pretas Candangas, de Brasília, Daniela Luciana ressalta que há um tipo de violência contra a mulher negra que não pode ser mensurada em números: a simbólica.
— Somos violentadas desde a hora em que acordamos até a hora de dormir, por conta do estereótipo, da invisibilidade e da pouca presença em espaços de poder — afirma Daniela.
O grupo organiza para o dia 18, na capital federal, a Marcha das Mulheres Negras, pelo fim da violência contra a mulher.
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Ambiente doméstico
O Mapa da Violência revela ainda que 55% dos crimes de violência de gênero no Brasil foram cometidos no ambiente doméstico — e que 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas. Isso significa que, a cada 10 mulheres com mais de 18 anos, quatro foram mortas pelos companheiros ou ex-companheiros, que usaram, com maior prevalência, força física ou objeto cortante. As armas de fogo são mais comuns nos assassinatos de homens.
— A violência contra a mulher é um problema de saúde pública, que ocorre em diversas regiões do país e do mundo. Divulgar dados e estudos sobre esse tema ajuda a compreender a dimensão do problema e pôr fim a essa prática — afirma o representante da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) no Brasil, Joaquín Molina.