
imagem: Shirley Oliveira
Setenta mil mulheres reunidas em uma mesma cidade durante três dias para debater juntas os rumos do feminismo. Consegue imaginar? Pois foi o que ocorreu entre os dias 14, 15 e 16 de outubro em Chaco. A cidade no norte da Argentina abrigou a 32ª edição do Encuentro Nacional de Mujeres (ENM), evento que, ano a ano, vem se consolidando com um dos principais encontros de mulheres não só da América Latina como do mundo.
O ENM surgiu a partir da Conferência de Mulheres da ONU, de 1984, como uma necessidade de apontar caminhos para a luta das mulheres em prol dos desaparecidos políticos. Desde então, tornou-se um espaço nacional de articulação do movimento feminista não somente da Argentina, como também de todo continente. Além das próprias Argentinas, estiveram presentes mulheres do Brasil, Paraguai, Bolívia, Chile, Uruguai, Nicarágua, Cuba, Colômbia, entre outros países. Entre as brasileiras, foram ao Encuentro representantes do MST, MMCL, 8M Brasil, entre outros.
“O Encontro é um evento tradicional na Argentina. Sendo assim, toda a cidade se prepara para recebê-lo, incluindo aí os espaços públicos, como escolas e universidades, além das praças. A conservação e limpeza dos locais fica por conta de toda mulher que participa. Existem mulheres das mais diversas faixas etárias, uma infinidade de indígenas e uma minoria estarrecedora de mulheres negras”, conta a brasileira Shirley Oliveira, do coletivo carioca Mães e Crias e do 8M Brasil, que participou pela primeira vez do evento.
Segundo Shirley, a pauta mais forte debatida no ENM foi a luta pelo direito ao aborto livre, gratuito e com atendimento hospitalar.
Cabe ressaltar que os agravos e complicações decorrentes de abortos inseguros são a principal causa de mortalidade entre as mulheres argentinas em idade fértil.
“Em cada encontro, estabelecem-se as diretrizes da luta feminista em todo o território. Diversas conquistas das mulheres argentinas vêm daí. Um exemplo são as políticas públicas para os direitos reprodutivos das mulheres, que foi pauta de tirada em um dos encontros. Isso significa que o movimento feminista argentino, apesar de todas as diferenças de método ou ideologias, estará unificado em torno dessa pauta“, complementa a brasileira, que mora no Rio.
Um série de atividades e oficinas ocorreram nos três dias, em lugares espalhados pela cidade. “As oficinas são autogestionadas. Existe um programa do que será discutido, mas não existe uma coordenação para gerir o debate. Toda mulher fala, é escutada e contribui para as conclusões finais, que são tiradas no dia seguinte. A partir dessas conclusões, estabelecem-se as diretrizes que nortearão a luta até o próximo encontro. Não se aceitam homens, nem nas oficinas, nem na marcha.”, afirma Shirley.
Os coletivos ficam organizado dentro de um cordão de isolamento que não se desfaz em hipótese alguma e que tem absoluta autoridade sobre as mulheres que o compõem. Qualquer discordância tem que ser discutida anteriormente. O cordão tem a função de garantir a segurança em caso de repressão policial. Não existe carro de som. Cada coletivo tem sua própria banda. Ninguém sai depois que entrou no cordão. Não se tensiona com nenhum coletivo, por mais diferenças que tenham entre si. Cada mulher mulher é responsável pela segurança da outra, independente do coletivo.
Violência e perseguição
Na tarde do dia 16, mulheres participantes do encontro sofreram agressões por parte de um grupo auto convocado de homens e mulheres contrários à realização do evento. Os ataques verbais e as agressões com paus e pedras foram desferidos em um momento de distração, após o encerramento do encontro, nas imediações da praça 25 de Maio, quando as mulheres aguardavam os ônibus para retornar às suas cidades. Integrantes da comissão organizadora, ao saber do ocorrido, se destinaram ao local para socorrê-las. Durante a fuga em busca de abrigo em prédios e casas particulares, foram perseguidas por motocicletas pelas ruas, que não contavam com nenhuma segurança pública, o que resultou em algumas companheiras feridas.
Para a organização, tratou-se claramente de uma emboscada planejada, e foi preciso o suporte do Comitê contra a tortura e a Secretaria de Direitos Humanos para realizar o resgate das mulheres. Reclama-se a identificação e punição dos agressores, pois “este é um violento ato ante a impotência de não poder argumentar que um evento de tal magnitude tenha se realizado com total tranquilidade, em um claro exemplo da violência machista contra as mulheres que se manifestam a favor de seus direitos e liberdade“, segundo publicação no site do 32º ENM.
Em 2018, o 33º Encuentro Nacional de Mujeres de Argentina será realizado na cidade de Chubut, na Patagônia.
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Fonte: 8mbrasil