Mesmo com documentos atualizados, adolescentes trans ainda são chamados por seus nomes mortos em instituições como Caixa Econômica Federal, Nubank e Banco Inter. A luta pelo reconhecimento da identidade de gênero esbarra em sistemas bancários que ignoram direitos já garantidos por lei.
“Chamaram meu filho pelo nome morto dele várias vezes na agência.” O relato é de Ana Maria Menezes, mãe de Samuel, adolescente trans de 17 anos. Apesar de ter a documentação retificada, ele foi impedido de acessar o benefício do programa Pé de Meia, da Caixa Econômica, porque o sistema não reconhecia seu nome social.
O caso de Samuel não é isolado. Em diversas regiões do país, mães têm travado verdadeiras batalhas para que seus filhos e filhas trans sejam respeitados. Mesmo com decretos federais e orientações do Banco Central determinando o uso do nome social, relatos de desrespeito e violência simbólica continuam se acumulando.
Nome social é direito, não favor
Desde 2016, órgãos públicos são obrigados a aceitar o nome social em cadastros. Em 2020, o Banco Central reforçou essa diretriz às instituições financeiras. Ainda assim, bancos como Nubank, Inter e Caixa Econômica Federal vêm sendo denunciados por não cumprirem a regra.
A ONG Mães pela Diversidade e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) encaminharam ao Ministério Público Federal cerca de dez denúncias, cobrando providências. O MPF já iniciou investigações e acionou o Banco Central — que, até agora, não apresentou medidas concretas.
“É quem meu filho é”
Para mães como Ana Maria, garantir o uso do nome social vai além da burocracia: é proteger a saúde mental dos filhos. “Eu valido a existência dele. Isso não deveria acontecer com ninguém”, diz. Ela só conseguiu resolver o problema após muita insistência e contato direto com o gerente da agência.
Outra mãe, Denise Mirele Kieling, relata que tenta, desde agosto de 2024, corrigir o nome do filho Murilo no cadastro do Banco Inter. Mesmo com toda a documentação, nada foi feito. “A cada correspondência com o nome morto, é mais uma ferida”, desabafa.
Violência que é social, emocional e econômica
Os impactos vão além do constrangimento. A falha em reconhecer o nome social pode significar exclusão de programas sociais, dificuldade no acesso a serviços e violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
“Essas crianças estão sendo colocadas em situações que nenhum jovem deveria viver”, alerta Luciene Mendes, da ONG Mães pela Diversidade. “A dor é social, emocional e econômica.”
Casos adultos expõem padrão sistêmico
A artista Fê Maidel também enfrentou problemas com o Nubank. Apesar de solicitar o uso do nome social, transferências via Pix continuavam exibindo seu nome de registro. O problema só foi resolvido após denúncia à imprensa. “A cada cartão, a cada transação, preciso reafirmar quem sou. É exaustivo.”
Inclusão real ou apenas marketing?
Para a Antra, casos como o de Fê revelam uma prática recorrente de “pinkwashing” — quando empresas promovem discursos de diversidade apenas para obter lucro. Segundo o estudo Rainbow Homes, o mercado LGBTQIAPN+ movimentou quase R$ 19 bilhões no Brasil entre 2023 e 2024. “Mas respeito não pode ser só campanha em junho. Tem que valer o ano inteiro”, pontua Luciene.
O que dizem os bancos
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Nubank: Alega que o problema decorre de “sistemas legados” e afirma ter corrigido os fluxos de Pix e emissão de cartões.
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Caixa Econômica Federal: Diz seguir orientações para uso do nome social, mas não comentou casos específicos.
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Banco Inter: Não respondeu à reportagem.
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Banco Central: Limitou-se a dizer que “não comenta o assunto”.
Nome é identidade
Usar o nome social é mais que um detalhe técnico. É reconhecer a existência e a dignidade de uma pessoa. Especialmente para adolescentes em processo de afirmação de identidade, o respeito é essencial.
Mas nem todas as famílias conseguem vencer a burocracia e o cansaço emocional. “Quantas mães desistiram no meio do caminho?”, questiona Ana Maria.
Fonte: AZMina