Uma reforma que promova a justiça deveria contribuir para desestruturar o racismo histórico no País
Por: CARMELA ZIGONI, NATHALIE BEGHIN, CAROLINA FINETTE E KLELIA GUERRERO GARCIA

A Câmara dos Deputados na votação da reforma tributária. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
No Brasil, depois de dez anos tramitando no Congresso Nacional, finalmente foi aprovada uma reforma tributária que contém pontos positivos para as mulheres. Vimos isso nas medidas de redução de impostos para produtos de higiene pessoal, de isenção de tributos da cesta básica de alimentos e produtos de limpeza e de restituição de impostos (cashback) para os mais pobres.
Ainda que o modelo de cashback necessite de regulamentação de como e para quem se dará a devolução, ele será uma oportunidade única para que o Brasil enfrente as desigualdades de gênero e raça. Para isso, é preciso que a regulamentação considere a base da pirâmide social, as mulheres negras, na criação dos mecanismos de restituição.
O governo optou por dividir a reforma tributária em duas fases: a primeira, calcada nos tributos indiretos que incidem sobre o consumo, e a segunda, nos tributos que incidem sobre a renda e patrimônio. A reforma tributária centrada no consumo foi promulgada em 20 de dezembro de 2023 pelo presidente Lula, e seu texto segue em processo a regulamentação. Já a proposta relativa à segunda fase ainda não foi enviada pelo governo ao Congresso Nacional.
A reforma tributária aprovada até o momento, no entanto, é insuficiente para enfrentar as desigualdades estruturais do sistema tributário brasileiro. Isto porque, ao tratar essencialmente dos impostos indiretos, não apresenta propostas para melhorar a progressividade de renda ou de patrimônio, com exceção da modificação dos impostos sobre heranças, que agora passam a ser progressivos.
Note-se que, apesar de o Brasil possuir tradição de participação social, os poderes públicos não têm escutado as mulheres na elaboração da reforma, principalmente as que serão mais afetadas por tais medidas, isto é, as mulheres negras.
Muito se fala hoje do racismo estrutural característico da sociedade brasileira, fruto da herança colonialista na qual o País foi forjado. Os indicadores que expressam as condições de vida das mulheres negras ainda são os piores. Ao mesmo tempo, as políticas públicas, em vez de combaterem esta discriminação estrutural, aprofundaram-na e perpetuaram-na: de acordo com pesquisas do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) – 2014, 2023 -, as mulheres negras são as que pagam proporcionalmente mais impostos. Ao mesmo tempo, a população branca recebe 61,4% a mais em rendimentos que a população negra (IBGE, 2023). Além disso, as trabalhadoras domésticas, das quais 70% são negras, só tiveram seus direitos trabalhistas equiparados aos demais trabalhadores em 2018, exatos 130 anos após a abolição oficial.
O contexto ainda é de baixa inserção por meio de políticas públicas. Após longos anos de medidas de austeridade fiscal e cortes orçamentários, milhares de mulheres passaram a viver abaixo da linha de pobreza, o País voltou ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a violência doméstica aumentou ano a ano.
Entre 2004 e 2015, o orçamento voltado para a população negra e quilombola – para políticas de igualdade racial, regularização fundiária, segurança alimentar, educação superior e mulheres –, representava 0,08% do orçamento total do governo brasileiro. Entre 2019 e 2022, a redução do orçamento de promoção da igualdade racial foi de 80% (Inesc, 2023).
Fonte: Carta Capital