Em 2015, aos 32 anos, a roteirista e escritora Renata Corrêa acordou e não conseguiu se levantar da cama. Paralisada, fez mentalmente uma lista de tudo que não estava conseguindo fazer por causa da exaustão. O acúmulo de tarefas, cuidar da filha, Liz, se relacionar, ter mudado de cidade e de profissão e ter passado por uma separação conjugal cobrou a conta: Renata foi diagnosticada com burnout, também conhecido como síndrome do esgotamento profissional.
Tentando sempre dar conta de só mais alguma coisa, Renata sofreu outro burnout neste ano, momento em que o cansaço, sobretudo, para as mulheres, foi evidente. Segundo uma pesquisa do Instituto FSB, feita a pedido da companhia seguradora SulAmérica e divulgada no mês passado, 62% das brasileiras afirmam que a saúde emocional piorou ou piorou muito durante a pandemia. Entre os homens, o índice dos que se disseram mais abalados com a experiência é de 43%.
O burnout é uma síndrome ligada ao contexto do trabalho e se espelha em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixo sentimento de realização. Há pessoas que também estão passando, neste período, por ansiedade e outros transtornos mentais, como depressão e síndrome do pânico. Outras relatam exaustão acumulada pelo contexto de pandemia e pelo excesso de informações com que temos que lidar nesse momento.
Para investigar como e por que esse esgotamento atinge as mulheres brasileiras de forma mais massiva, Universa foi a fundo no assunto e publica, nesta semana, cinco reportagens sobre o tema.
Carreira, trabalho, relacionamentos, maternidade e ainda uma entrevista com a autora americana Anne Helen Petersen que, após uma experiência pessoal, escreveu o best seller “Não aguento mais não aguentar mais: Como os Millennials se tornaram a geração do burnout” (ed. HarperCollins Brasil). O livro surgiu depois de um texto dela sobre o tema viralizar e ter mais de 8 milhões de visualizações. Renata Corrêa, que também é colunista do Splash, no UOL, assina o prefácio da versão brasileira.
Pandemia: podemos voltar a ter esperança?
Apesar da esperança e do alívio que as vacinas contra covid-19 nos trouxeram, ainda estamos lidando com o rescaldo de termos mergulhado em um fato histórico e coletivo: enfrentar uma pandemia. O surgimento da variante ômicron e os desdobramentos pessoais ainda estão em pauta, comenta a doutora em psicologia clínica e presidente da “International Stress Management Association” no Brasil (ISMA-BR), Ana Maria Rossi.
“A pandemia virou uma causa predominante de desesperança, medo e falta de perspectiva, porque tivemos uma mudança drástica nos nossos estilos de vida”.
“O medo é, sim, uma emoção válida, mas às vezes ele se torna tão intenso que pode ser incapacitante. Além disso, quando estamos em um nível elevado de estresse, acabamos tendo reações mais intensas às coisas”.
Com o burnout, Renata se sentiu “queimando lentamente” até não ter mais condições de seguir a rotina profissional. A reparação, conta a Universa, precisou ser feita com afastamento das atividades profissionais e, pela primeira vez, a prescrição de remédios psiquiátricos.
“Tenho uma situação privilegiada, por ser uma mulher branca, de classe média e com carteira assinada. Tive licença médica, mas a maioria das brasileiras não têm isso, inclusive porque foram as que mais perderam postos de trabalho”.
Perceber alguns sinais de que a saúde mental não vai bem pode ser o primeiro passo para aprender a lidar com o cansaço e, em casos mais graves, os transtornos psicológicos e psiquiátricos.
“Indico que a pessoa perceba se o sono tem sido reparador, se tem feito atividade física para canalizar o excesso de ansiedade e como está a alimentação, porque a comida pode ser usada para mascarar dores e angústias. É importante notar se houve mudança na ingestão de álcool, se faz automedicação. Por fim, é preciso respirar e encontrar alguém que a ouça e a faça sentir acolhida”, explica Ana Maria Rossi.
Esgotadas por questões pessoais e por excesso de informação
Viver o momento atual no Brasil pode ter deixado a tarefa de buscar equilíbrio na saúde mental ainda mais trabalhosa: além das regras de isolamento social e de alterações profundas na rotina, estamos passando, coletivamente, por crises política e financeira, com aumento do desemprego, da miséria e da fome.
Ficar alheia a essa realidade, diz Renata, não é uma opção. Mas lidar com tanta informação pode gerar um sentimento de impotência. “Temos que ficar informados, inclusive para nos proteger de fake news, mas a contrapartida é a sensação de impotência. O que fazer com tanta notícia?”.
Pode ser difícil, mas a recomendação é tentar reduzir a exposição à avalanche de informações. “A pessoa deve avaliar se o desconforto e o estresse têm sido incapacitantes. Se sim, é preciso puxar o freio de mão e considerar o apoio de um especialista para tentar diferenciar o que é de guardar e o que é de descartar.”
Mulheres, negros e população LGBTQIA+ têm mais risco
No início deste ano o Google fez uma pesquisa para mapear de que forma a pandemia havia impactado a busca de temas ligado à saúde mental das mulheres. A empresa descobriu que a consulta por termos como “cansada psicologicamente” e “cansada mentalmente” foi recorde nos últimos 12 meses. Desde 2015, o termo “cansada”, no gênero feminino, é mais procurado do que “cansado” pelos usuários brasileiros. A interpretação é clara: para as mulheres, a corda da saúde mental é mais apertada.
O radar liga também para os efeitos na saúde mental da população negra, que já sofre de mais ansiedade por causa do racismo e enfrenta dores específicas na pandemia por ser alvo de desigualdade racial e social. Pessoas LGBTQIA+, por sua vez, também podem ter mais risco de desenvolver transtornos mentais em razão das violências a que são submetidas.
Quaisquer que sejam os gatilhos para condições como o burnout ou outros transtornos mentais, é preciso estar atenta aos sintomas, mesmo que pareçam leves, e buscar diagnóstico e acompanhamento profissional o quanto antes. O tratamento quase sempre parte de psicoterapia, mas pode ser necessário o uso de medicamentos. Envolve também mudanças nos hábitos e estilo de vida.
A boa notícia é que é possível encontrar tratamentos gratuitos ou de baixo custo para quem não pode arcar com as sessões.
Fonte: UOL