Estima-se que em todo o mundo 80% das mulheres acometidas pela doença durante a gravidez não recebam o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento
“As pessoas me olhavam com jeito de que eu deveria estar feliz por estar grávida, mas passava a maior parte do meu tempo chorando. A dificuldade em aceitar a depressão vem de um tabu, do equívoco de as pessoas pensarem que se trata de um estado de espírito. Eu mesma tive dificuldade em aceitar a doença. A médica que acompanhou meu pré-natal não percebeu, sempre estive cercada de médicos, ninguém nunca mencionou a possibilidade de depressão na gravidez.” O depoimento da técnica de enfermagem Daniele Azevedo, 24 anos, mãe de Laura, 1 ano e 7 meses, é um retrato do que muitas mulheres enfrentam durante a gestação.
Pesquisa desenvolvida com 247 gestantes pelo Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que 17,34% delas sofrem com a doença. Dados internacionais indicam que 80% das mulheres com a doença não são diagnosticadas durante os nove meses de desenvolvimento do feto. Por isso, não recebem o tratamento adequado.
Além da falha dos médicos, há uma dificuldade de as mulheres perceberem e aceitarem o problema. Não se sentir plena e completamente feliz de gerar uma vida é motivo, inclusive, de culpa e julgamento. A idealização da maternidade dificulta não apenas que as mulheres procurem ajuda, mas também que recebam tratamento. Para agravar ainda mais a situação, muito se fala em depressão pós-parto, mas a depressão na gravidez ainda é pouco conhecida.
Líder da pesquisa desenvolvida na UFMG, o psiquiatra Tiago Castro avalia que falta ao profissional de saúde que presta o atendimento no pré-natal pensar na possibilidade da depressão. “Se não existe desconfiança, não se procura”, sentencia. “Estudos internacionais demonstram que o marido da gestante deprimida pode também desenvolver depressão. Estando ambos com os sintomas, nenhum dos dois vai perceber a doença”, pontua o doutorando pelo Programa de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG.
Daniele e o pai de Laura não planejavam engravidar. “Sou evangélica e, na minha igreja, ainda é tabu a gravidez antes do casamento. Fiquei com muito medo e só contei para minha família quando já estava com a data do casamento marcada. Foi tudo organizado às pressas e meus pais tiveram certa dificuldade em aceitar. Acho que tudo isso contribuiu para a depressão”, conta.
Na gestação, a técnica em enfermagem foi diagnosticada com hipotensão postural, que a impedia de ficar em pé por muito tempo e a afastou das funções profissionais. “Como trabalhava em uma UTI neonatal, tinha muito medo de a minha filha nascer prematura. Ela veio ao mundo com 39 semanas e quatro dias de um parto normal induzido. Minha bolsa estourou, mas não tinha contração. Mesmo sem ser prematura, a Laura ficou seis dias internada em uma UTI e fiquei em pânico completo no hospital”, conta.
Fonte: Correio Braziliense