A solução é proposta por um grupo de cientistas que identificou a ausência de elementos ligados à procriação no RNA do sêmen de voluntários inférteis. Segundo especialistas, a estratégia pode acelerar os tratamentos de reprodução assistida
Problemas de infertilidade atingem ao menos 13% das pessoas em idade reprodutiva e podem ter origens diversas: sequela de doenças, tempo de vida, efeito adverso de remédios, desordens fisiológicas… Um grupo internacional de cientistas traz uma abordagem genética para homens afetados pela condição. Na edição desta semana da revista Science Translational Medicine, eles detalham como a falta de elementos no RNA do sêmen pode dificultar os planos de ter filhos. A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de novas terapias, inclusive gênicas, as baseadas em transferência de material genético para prevenir ou curar complicações.
“O presente estudo surgiu aproximadamente nos últimos 20 anos de trabalho em meu laboratório, com a descoberta feita em meados de 1990 de que o esperma contém RNA. Trabalhamos com essa nova informação”, destaca ao Correio Stephen Krawetz, um dos autores do estudo e pesquisador do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade de Wayne State, nos Estados Unidos. O plano era analisar a fundo o sêmen em busca de razões para a infertilidade. Para isso, os cientistas usaram um método avançado de sequenciamento genético, o Next Generation Sequencing. “Aqui, nós abordamos a questão da infertilidade idiopática, ou seja, a infertilidade desconhecida, uma vez que os casais aparentemente são normais sob todos os aspectos”, completa o autor.
Participaram do estudo 98 casais, sendo que todos os homens tentavam sem sucesso ter filhos — mesmo quando submetidos a intervenções clínicas — e as duplas também não conseguiam engravidar. Na análise dos espermas, os cientistas descobriram que os voluntários inférteis tinham menos substâncias de RNA nas amostras coletadas: faltavam até 648 elementos vitais para a procriação, responsáveis por fatores como a mobilidade dos espermatozoides e a formação de embriões. Com os resultados, há a suspeita de que os voluntários inférteis amargaram resultados negativos em tratamentos como relação sexual programada ou inseminação artificial devido ao problema genético.
Dessa forma, surge a possibilidade de desenvolvimento de uma solução clínica para o problema. “A validação dessa descoberta nos ajuda a identificar os casais que podem se beneficiar do método Next Generation Sequencing e aqueles que podem ser bem-sucedidos com uma intervenção mínima. Também é nosso objetivo no uso dessa tecnologia reduzir o tempo do tratamento e o custo dele, de modo a diminuir a carga sobre o casal”, diz Krawetz. A próxima etapa da pesquisa consiste em avaliar um número maior de participantes. “Vamos expandir para um estudo prospectivo cego e começar a definir um conjunto de marcadores que podem ser indicativos de resultados do Next Generation Sequencing”, adianta o pesquisador norte-americano.
Etapas otimizadas
Para José Henrique Mezzeth Filippi, urologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, o método apresentado pode ajudar o trabalho em clínicas de reprodução. “Pode ser muito útil, já que consegue pular uma etapa, diminuindo os protocolos relacionados à reprodução. Quando você já sabe o que um grupo vai precisar fazer, como estratégias avançadas que apontam para as opções mais eficazes, a reprodução assistida, por exemplo, facilita o processo”, explica.
Quando se determina que há problemas no sêmen, você sabe a estratégia necessária, e isso é muito importante pelos inúmeros casos de bebês de proveta sem necessidade. Há situações em que o uso de remédios ou de outras alternativas resolve o problema”Jorge Hallak, chefe de Andrologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Para Jorge Hallak, chefe de Andrologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a pesquisa se destaca, principalmente, por enfocar uma análise da fertilidade voltada para os homens. “A infertilidade masculina sempre é uma tema de que vale a pena falar, já que eles são muito pouco avaliados. Geralmente, são as mulheres que levam a culpa. Os médicos fazem uma grande investigação com elas, e os homens passam por exames muito simples”, destaca.
Segundo o especialista, outro ponto positivo do estudo é poder diferenciar os casais que necessitam da reprodução assistida dos que podem engravidar recorrendo a métodos mais simples. “Quando se determina que há problemas no sêmen, você sabe a estratégia necessária, e isso é muito importante pelos inúmeros casos de bebês de proveta sem necessidade. Há situações em que o uso de remédios ou de outras alternativas resolve o problema, evitando complicações como a má-formação do embrião”, completa o especialista.
Fonte: Correio Braziliense
Foto: www.cienciahoje.pt