Apesar da importância crescente do trabalho terceirizado na economia brasileira, o país ainda carece de dados oficiais consolidados sobre a dimensão desse modelo de contratação. O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reconhece que a terceirização é um “ponto difícil de ser medido”, sendo subestimada em seus instrumentos regulares. Uma das fontes disponíveis, a Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social, é pouco explorada para fins estatísticos mais amplos.
Enquanto isso, pesquisas acadêmicas têm delineado um retrato preocupante: o trabalhador terceirizado no Brasil é, em grande parte, uma trabalhadora — mulher, negra, com baixa escolaridade, alocada em funções de menor remuneração, jornadas extensas e vínculos instáveis.
Estudo do Dieese, feito em 2017 — ano da aprovação da reforma trabalhista que ampliou a terceirização para atividades-fim — revelou que os trabalhadores terceirizados recebiam, em média, de 23% a 27% menos do que os contratados diretamente pelas empresas entre 2007 e 2014. Além disso, 85,9% dos terceirizados cumpriam jornadas entre 41 e 44 horas semanais, contra 61,6% entre os contratados diretos.
Para a jurista Anna Caroline Morlin Portela, autora da tese “Diálogos (im)possíveis entre a terceirização da mão de obra feminina e o direito humano ao trabalho decente no Brasil” (2022), a terceirização no país se aproxima da precarização estrutural do trabalho. “As mulheres, por ocuparem historicamente postos considerados menos valorizados, experimentam os impactos mais negativos da terceirização, afastando-se cada vez mais da noção de trabalho decente”, afirma.
Esse cenário é corroborado pela pesquisa “É casa, é luta, é o dia de amanhã”, de Lara Campoli e Graziela Perosa, que analisou as condições de auxiliares de limpeza terceirizadas na Unicamp entre 2015 e 2020. O estudo apontou atrasos salariais, longas jornadas e baixos salários como marcas da rotina dessas trabalhadoras.
Campoli destaca que, mesmo com a escassez de dados oficiais detalhados, as evidências mostram que a terceirização se concentra nos setores mais vulneráveis da sociedade, como mulheres, negros, jovens e imigrantes. “As mulheres estão majoritariamente nas pontas da cadeia produtiva, onde as condições de trabalho são mais degradantes e os direitos menos respeitados”, pontua.
Essas áreas são majoritariamente ligadas ao trabalho reprodutivo — como limpeza, alimentação, educação e cuidado —, historicamente subvalorizadas e invisibilizadas. Com a reforma trabalhista de 2017, que permitiu a terceirização irrestrita, esse processo de precarização se aprofundou.
De fato, dados do 3º trimestre de 2024 da Pnad Contínua do IBGE reforçam as desigualdades: as mulheres ganhavam, em média, R$ 762 a menos que os homens, e 37% das trabalhadoras recebiam até um salário mínimo.
Segundo o Dieese, em 2018, um ano após a reforma, os terceirizados já representavam cerca de 24% dos empregos formais. A tendência, desde então, tem sido de crescimento. Para Campoli, a ampliação da terceirização contribui para “o rebaixamento dos salários, a fragmentação da classe trabalhadora e a intensificação das desigualdades sociais”.
A conclusão é clara: sem dados oficiais robustos e com a terceirização ganhando terreno, o país precisa urgentemente repensar suas políticas de trabalho, sobretudo sob o recorte de gênero e raça. A precarização não é uma abstração: ela tem cor, gênero e endereço.
Fonte: Brasil de Fato