O que fazer se um prestador de serviços ou um atendente de SAC que teve acesso aos seus dados começar a lhe perseguir na internet, nas mídias sociais e até no WhatsApp?
Tem crescido o número de casos em que clientes são assediados por funcionários de grandes marcas após terem tido algum tipo de atendimento pelos mesmos.
Em geral, o modus operandi é sempre o mesmo, em seguida da realização de um trabalho começa a haver envio de mensagens em tom mais íntimo e dependendo da reação do cliente ocorrem até casos de ameaça e intimidação.
O que faz um funcionário que atende um cliente da empresa na qual ele trabalha achar que tem o direito de aproveitar-se do contato para conseguir algo mais?
Como as próprias empresas podem identificar melhor este tipo de perfil e prevenir mais estas ocorrências? E o que tem sido feito com quem passa do limite na relação de atendimento com o consumidor ou abusa do uso dos dados pessoais de um cliente?
Recentemente uma jovem de 14 anos de idade foi levar o celular para arrumar a tela na assistência técnica e dias depois recebeu em seu WhatsApp vídeos e fotos do funcionário que a atendeu em cenas de nu e de sexo explícito.
Em outro caso, a consumidora precisou chamar um técnico da prestadora de serviço de TV a Cabo e o mesmo, após a visita, começou a abordá-la via mensagens extremamente indecentes e até ameaçadoras, com insinuações do tipo “você é linda”, “quer sair comigo” até “eu sei onde você mora”.
Por certo, toda falha de atendimento é sempre uma falha de liderança. A empresa responde civilmente por dois tipos de culpa, que envolve a seleção do funcionário (culpa in elegendo) e pela vigilância e supervisão do trabalho (culpa in vigilando).
Na lei brasileira há previsão de responsabilização do empregador por má conduta do empregado, art. 932 do Código Civil Brasileiro, e até do gestor (chefe) por não ter supervisionado sua equipe adequadamente, art. 1016 da mesma legislação.
Ou seja, não é só demitir, tem que indenizar por dano moral e material causados e isso independe do quanto a empresa investe no treinamento de suas equipes ou na penalidade que venha a impor ao colaborador que descumprir as regras de conduta, pois a vítima tem que ser de algum modo ressarcida do trauma que sofreu.
Mas por que será que aumentou tanto este tipo de ocorrência? Estamos selecionando mal? Treinando pouco? Faltando com o dever de supervisão laboral? Em um país em crise, de cortes de custos, com toda certeza, estes casos podem ser reflexo da diminuição de investimento no setor de pessoal.
Ou é a facilidade das novas tecnologias que estão provocando a cultura do excesso do acesso, que é um efeito colateral da própria super exposição que vivemos?
Para que este tipo de comportamento deixe de acontecer todos nós, consumidores, clientes de grandes marcas, precisamos estar mais vigilantes com o uso dos nossos dados pessoais.
Qual a política de privacidade da empresa tem que ser um ponto a ser observado antes mesmo de fazer uma compra ou contratar um serviço? Qual o nível de segurança da minha informação dentro daquela empresa?
Além disso, a vítima deve denunciar. A atitude do “deixa para lá” acaba estimulando ainda mais este tipo de má conduta, devido a sensação de impunidade.
Muitos clientes assediados digitalmente por atendentes, vendedores, técnicos, acabam sentindo medo de falar o que está ocorrendo e sofrer algum tipo de retaliação, ainda mais se o desfecho gerar a demissão do funcionário, que pode depois querer se vingar.
Mas a melhor proteção ainda é a informação. E quanto mais pessoas souberem do que ocorreu, melhor. Quanto mais estiver documentado, mais segura a vítima fica, pois o agressor tende a se retrair quando vê que a vítima não se intimidou.
O que pode ser feito para tentar evitar situações como esta? A primeira grande recomendação é nunca receber um prestador de serviço estando em casa sozinho.
É sempre bom ter pelo menos um vizinho, o zelador, chamar alguém mais, para não ficar só a pessoa e o funcionário. A presença de uma testemunha ajuda a minimizar a abordagem indevida.
Outra recomendação é sempre pedir o nome do funcionário e sua funcional. Infelizmente, devido ao abuso de alguns é melhor ser mais seco no tratamento, o mero gesto de um sorriso ou oferecer uma água ou um café já pode dar ensejo a uma abordagem mais pessoal, infelizmente.
Além disso, manter a porta da casa aberta enquanto o prestador estiver fazendo a visita também pode ajudar.
Evite deixar a pessoa sozinha ou ficar falando ao telefone ou fazendo outra coisa que possa desviar sua atenção, pois isso também pode facilitar uma situação de risco de furto ou, ainda pior, de abordagem sexual forçada, como estupro.
Independente da ação das vítimas, que devem sim buscar seus direitos e a justiça, há o dever de agir do próprio Ministério Público para punir estes abusos, visto o enorme número de ocorrências, em agir em defesa dos consumidores brasileiros, exigindo inclusive termo de ajuste de conduta das empresas onde isso mais tem acontecido.
A falta de respeito com clientes pode ser enquadrada, dependendo das evidências, nos crimes de constrangimento ilegal, ameaça, assédio sexual, dano. É fundamental registrar o Boletim de Ocorrência e dar andamento no inquérito policial até para que o infrator perca a condição de primariedade, o que ajuda a evitar que venha a fazer de novo com outra pessoa.
Um cliente não pode se sentir inseguro desse jeito. Por isso, só dizer que vai investigar não basta! Tem que haver punição exemplar, sob pena da falta de respeito e de educação nos ambientes de trabalho, em especial os que lidam com consumidores finais, transformar o Brasil em uma grande selva urbana e digital.
Fonte/Foto: Brasil Post