Em carta à ministra Rosa Weber, Rebeca Mendes fez apelo: “Não quero ser presa e muito menos morrer”.
Grávida de 6 semanas, mãe solo de dois filhos, com emprego temporário, aluguel para pagar e estudando com bolsa do ProUni. Rebeca Mendes da Silva Leite, de 30 anos, teve seu pedido de aborto negado pela ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), nesta terça-feira (28).
Rebeca recebe R$ 1.250 de um contrato temporário e gasta R$ 600 de aluguel. Em carta à ministra divulgada pelo coletivo feminista Think Olga, a estudante afirma que não terá condições de sustentar mais uma criança.
Rebecca conta que o pai da crianças paga pensão, mas que ela considera que faz também o papel de pai.
O lema dessa pessoa que se considera pai dos mais filhos é: “eu já pago pensão”. Isso é o que eu escuto basicamente, em qualquer situação, desde chegar da faculdade às 23 horas e perceber que um deles está com febre alta e ligar e pedir que nos leve até o hospital, pois ele tem carro e eu não, e a resposta que eu tenho é: “Eu não pago pensão? Chama o Uber e leva você”. Dentre outros absurdos que não vem ao caso.
A estudante fazia uso de contraceptivo injetável a cada três meses, mas após seis anos de uso, “ganhou peso e desenvolveu mal-estar circulatório”. Em setembro, procurou o serviço público de saúde e foi agendada uma ultrassonografia para dezembro, para avaliar se ela podeira usar o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre. Nesse intervalo, tela teve uma única relação sexual com o ex-marido e engravidou.
O risco do aborto ilegal
Na carta, Rebecca conta que por medo de riscos à saúde e de ser presa, não quer tentar um aborto ilegal. “O medo do procedimento não funcionar e acarretar má-formação ou o remédio causar uma hemorragia causando a minha morte e, ser levada para um hospital e chegando lá ser levada para delegacia. Não quero ser presa e muito menos morrer. Não parece ser justo comigo. Não estou grávida de 4 ou 5 meses, estou grávida de dias apenas”, afirma.
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No pedido, tanto o partido, quanto a ONG, pedem que a ministra Rosa Weber, relatora do processo, conceda uma decisão em caráter de urgência em favor de Rebeca e de “todas as mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento”.
A cada nova semana de espera, quase 10 mil novas mulheres enfrentarão o mesmo dilema trágico e Rebeca terá sua saúde deteriorada e menores chances de um procedimento seguro, necessário à sua vida e à de sua família.
Uma em cada cinco mulheres até 40 anos já fez, pelo menos, um aborto no Brasil, segundo estimativa da Pesquisa Nacional do Aborto. Estima-se que um milhão de procedimentos, em geral inseguros, são realizados por ano no Brasil, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A cada dois dias uma mulher morre por complicações decorrentes do aborto ilegal no País.
A íntegra da decisão de Rosa Weber para negar a liminar ainda não estava disponível até a publicação desta reportagem.
Avanços e retrocessos
Há exatamente um ano, em 29 de novembro de 2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que um caso de aborto no primeiro trimestre da gravidez no Rio de Janeiro não deveria ser considerado crime. O julgamento tratava de uma clínica clandestina.
Em seu voto, o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, destacou os prejuízos à saúde da mulher e aos direitos reprodutivos com a criminalização da interrupção da gravidez.
“Em verdade, a criminalização confere uma proteção deficiente aos direitos sexuais e reprodutivos, à autonomia, à integridade psíquica e física, e à saúde da mulher, com reflexos sobre a igualdade de gênero e impacto desproporcional sobre as mulheres mais pobres. Além disso, criminalizar a mulher que deseja abortar gera custos sociais e para o sistema de saúde, que decorrem da necessidade de a mulher se submeter a procedimentos inseguros, com aumento da morbidade e da letalidade.”
Apesar de a decisão do STF se restringir a um caso específico, o julgamento provocou reação imediata na Câmara dos Deputados. Em dezembro, foi instalada a comissão especial da Proposta de Emenda à Constituição 181/2015.
O texto inicial tratava da extensão da licença-maternidade para mães de bebês prematuros. Mas o relator, deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP), com apoio da bancada religiosa, incluiu dois trechos no parecer em que estabelece que a vida começa na concepção.
A manobra, que deu à PEC o apelido de Cavalo de Tróia, pode inviabilizar não só a descriminalização do aborto no Brasil, mas impedir situações já legalizadas, como no caso de estupro. Isso porque, se a PEC for aprovada, poderia ser interpretada uma contradição entre a Constituição alterada e o Código Penal, que permite o aborto no caso de estupro e de risco de vida da mãe. Dessa forma, o assunto poderia ser questionado no STF.
O texto-base do parecer favorável à PEC 181/2015 foi aprovado na comissão especial em 8 de novembro, com 18 votos favoráveis, todos de deputados homens. O colegiado precisa ainda votar destaques. Após essa etapa, o texto está liberado para ser votado em planário, onde precisa de 308 votos, em dois turnos, antes de seguir para o Senado.
Fonte: HuffPost Brasil