Nova York dedica estátua a Shirley Chisholm, pioneira na política norte-americana que chegou a disputar primárias presidenciais
O primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Alexander Hamilton, o líder da independência de Cuba, José Martí, o abolicionista afro-americano Frederick Douglass, o escritor inglês William Shakespeare, o presidente Abraham Lincoln, o compositor Mozart… todos têm em comum a contribuição que fizeram para a história, e por isso contam com monumentos em Nova York. Além de serem todos homens.
Das cerca de 150 estátuas de Nova York, apenas cinco representam mulheres: Joana D’Arc, Golda Meir, Gertrude Stein, Eleanor Roosevelt e Harriet Tubman. A lista não inclui as personagens fictícias femininas que têm monumentos, como a escultura de Alice no País das Maravilhas no Central Park.
Com o objetivo de aumentar a representação de mulheres em espaços públicos, a cidade promove a iniciativa She Built NYC (ela construiu a cidade de Nova York) e acaba de anunciar que a primeira congressista negra dos Estados Unidos, Shirley Chisholm, será a primeira homenageada. A notícia foi divulgada no dia em que ela faria 94 anos, coincidindo com o 50º aniversário de sua eleição para a Câmara de Representantes.
“O legado de liderança e ativismo da congressista Shirley Chisholm preparou o caminho para que milhares de mulheres buscassem cargos públicos”, afirmou Chirlane McGray, esposa do prefeito de Nova York, Bill de Blasio. “Ela é exatamente o tipo de mulher de Nova York cujas contribuições deveriam ser condecoradas com representações em espaços públicos.”
“Com coragem”
Shirley Chisholm (1924-2005) era filha de emigrantes de Barbados e da Guiana que foram morar em Nova York na década de 1920. Passou a infância entre a fazenda da avó materna no Caribe e um apartamento no bairro de Bedford-Stuyvesant no Brooklyn, cuja população era — e continua sendo — majoritariamente negra.
Em 1968, apenas nove dos 435 membros da Câmara de Representantes eram afro-americanos: oito homens e ela. Na época, 11 cadeiras eram ocupadas por mulheres; destas, só Shirley Chisholm e a asiático-americana Patsy Mink, eleita em 1964, não eram brancas.
“Por que é aceitável que as mulheres sejam secretárias, bibliotecárias e professoras, mas não que sejam diretoras, gerentes, médicas, advogadas e integrantes do Congresso?”, declarou Shirley Chisholm em 1969, ao defender a Emenda pela Igualdade de Direitos das Mulheres, que até hoje não foi ratificada pelos 38 Estados necessários. Ela ocupou sua cadeira durante 14 anos; antes, havia se dedicado à educação infantil.
Em 1971, ao lado de Gloria Steinem, Bella Abzug e Betty Freidan, Shirley Chisholm fundou a Assembleia Política Nacional de Mulheres (NWPC, em inglês), uma organização de incentivo à participação política de mulheres. “A reunião inaugural em Washington congregou mais de 300 participantes. Foi a primeira vez, em grande escala, que se pedia a elas que fossem candidatas”, diz sua presidenta, Donna Lent.
Em 1972, Shirley Chisholm inclusive se apresentou nas primárias presidenciais com o slogan Unbought and Unbossed (nem comprada, nem mandada) sem grande apoio entre os líderes negros, obtendo mais de 400.000 votos em 14 Estados. Não ganhou, mas passou à história como a primeira pessoa não branca no processo de nomeação de um dos grandes partidos e primeira mulher do partido Democrata. Ela divide os dois títulos com Patsy Mink, que também disputou as primárias.
“Existem pessoas em nosso país que não olham para a direita ou para a esquerda, simplesmente olham para frente”, disse Barack Obama sobre Shirley Chisholm em 2015, durante a entrega póstuma de sua Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta distinção concedida a civis nos EUA. “Quando lhe perguntaram como queria ser lembrada, ela respondeu: ‘Gostaria que dissessem que eu tinha coragem’”, concluiu o ex-presidente.
A atriz e ativista negra Viola Davis, de filmes como Um Limite Entre Nós e Histórias Cruzadas, anunciou que prepara um filme biográfico com a Amazon Studios, intitulado The Fighting Shirley Chisholm.
Congressistas muçulmanas, não brancas e lésbicas fazem história
“Um dos primeiros slogans da NWPC foi Quando as mulheres disputam eleições… as mulheres vencem. E foi o que aconteceu. Em 2019, teremos o Congresso mais diverso da história e um número recorde de mulheres, incluindo nove governadoras”, afirma Donna Lent.
A Câmara de Representantes terá mais de 100 mulheres, em alguns casos pioneiras como porta-vozes de grupos etnorraciais e religiosos. A somali-americana Ilhan Omar (Minnesota), de 38 anos, e Rashida Tlaib (Michigan), de origem palestina, são as primeiras congressistas muçulmanas. Foram também eleitas pela primeira vez as nativas Deborah Halan (Novo México) e Sharice Davids (Kansas), que é abertamente lésbica. Outras pioneiras são Jahana Hayes (Connecticut) e Ayanna Pressley (Massachusetts), afro-americanas eleitas pela primeira vez para representar Estados da região de Nova Inglaterra.
“Sua liderança preparou o caminho de muitas”, declarou Ilhan Omar nas redes sociais, no dia do aniversário de Shirley Chisholm. “Me disseram muitas vezes que esperasse minha vez para liderar. Graças a mulheres fortes como Shirley Chisholm, eu sabia que podia fazer isso.” Ayanna Pressley fez uma selfie no Congresso com uma imagem da pioneira e publicou a mensagem “Obrigada a ela”.
Nova York homenageará Shirley Chisholm por seu compromisso com a justiça social. A lista completa de candidatas a terem estátuas inclui centenas de nomes de mulheres que contribuíram em áreas como o ativismo, o urbanismo, a música e a ciência. Entre elas, a congressista e líder feminista Bella Abzug, a teórica do urbanismo Jane Jacobs, a fundadora da Manhattan School of Music, Janet Schenck, e a mulher do principal engenheiro da Ponte do Brooklyn, Emily Warren, que se encarregou da construção quando ele adoeceu.
O monumento será erguido ao lado de uma das entradas do Brooklyn Prospect Park, insígnia desse distrito de Nova York. “Servirá de inspiração a todos os nova-iorquinos”, afirmou a secretária de Habitação e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Nova York, Alicia Glen.
Fonte: ElPaís