São Paulo – Em tempos de mudanças climáticas perigosas e pressões crescentes sobre os recursos que a Terra, generosa, nos oferta, nada melhor do que conhecer histórias de impacto, que inspiram ação. Neste 22 de abril, Dia da Terra, conheça a trajetória implacável de luta dos seis ativistas vencedores do Prêmio Goldman 2016, considerado o Nobel do meio ambiente.
São pessoas corajosas que defendem o direito ao meio ambiente seguro e equilibrado em seus países — ainda que tenham de arriscar a própria vida. No dia 3 de março deste ano, Berta Cáceres, ativista ambiental e líder indígena, que venceu a edição 2015 do Prêmio por sua militância contra a construção de uma represa hidrelétrica, foi assassinada em Honduras.
Sua sina é semelhante àquelas que tiveram, no Brasil, Chico Mendes (líder ambientalista assassinado em 1988), a irmã Dorothy Stang (missinária norte-americana assassinada no Pará em 2005) e o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados em maio de 2011 após denunciarem madeireiros e carvoeiros na Amazônia.
Conheça, abaixo, as histórias de outros seis guerreiros do meio ambiente:
Máxima Acuña Ela não sabia ler nem escrever, mas sabia que a terra era sua alma
Ao longo das últimas duas décadas, a indústria de mineração no Peru cresceu a uma velocidade vertiginosa. Com promessas de empregos e de prosperidade econômica, as licenças de mineração do governo peruano se multiplicaram pelo país. Apesar dessas promessas, os camponeses rurais — que raramente foram consultados sobre os projetos de mineração — continuam a viver em grande parte na pobreza.
Nas terras altas do norte do Peru, na região da Cajamarca, onde quase metade das terras estão sob concessões de mineração, a empresa americana Newmont, juntamente com a mineradora peruana Buenaventura, operam a mina Yanacocha, uma das minas de ouro e cobre a céu aberto mais rentáveis no mundo.
Em 2010, o consórcio anunciou o projeto de uma nova mina para extrair ouro na região, batizado de Conga Mine. A investida incluía drenar quatro lagos nas proximidades. Um deles, conhecido como Laguna Azul, seria transformado em um poço de armazenamento de resíduos, ameaçando as cabeceiras de cinco bacias hidrográficas.
O fim da vida pacífica
Em 1994, Máxima Acuña e seu marido compraram um lote de terra em um canto remoto das terras altas do norte do Peru conhecido como Tragadero Grande. Eles construíram uma pequena casa no terreno, onde criaram seus filhos. A família vivia de batatas e outras culturas e criava ovelhas e vacas para produção de leite e queijo. Ocasionalmente, ela fazia uma longa viagem para a cidade para vender legumes, laticínios e artesanato de lã.
Um dia, em 2011, a mineradora veio à porta dos Acuñas exigindo que eles saíssem de suas terras. Acunã recusou. A brutalidade forçou sua entrada. Forças armadas destruíram sua casa e posses e deixaram uma de suas filhas inconscientes. A perseguição continuou. A empresa processou a família em um tribunal local, que os considerou culpados por estarem em terra de interesse público. Acuña foi condenada a três anos de prisão e multa de quase US$ 2 000, uma quantia enorme para um agricultor de subsistência no Peru.
Implacável, ela buscou ajuda jurídica de uma ONG ambiental e conseguiu reverter sua situação, provando que a terra era sua e, por isso, tinha todo o direito de permanecer nela. Em dezembro de 2014, os tribunais anularam sua sentença de prisão e a ordem de despejo. Como resultado, o projeto da nova mina não prosseguiu em Tragadero Grande, nem ao redor de Laguna Azul. Acuña continua a enfrentar ameaças e perseguição da empresa de mineração, mas apesar do trauma e exaustão, ela mantém um notável senso de otimismo em sua luta contínua por justiça.
Destiny Watford
Ela foi a pedra no caminho do maior incinerador de lixo dos EUA
Curtis Bay é uma região altamente industrializada no sul de Baltimore, nos Estados Unidos, cuja história é marcada por repetidos deslocamentos de moradores para dar espaço para refinarias de petróleo, indústrias químicas, estações de tratamento de esgoto e outras instalações de grande impacto ambiental.
Mas a ameaça do incinerador permanece. A empresa controladora ainda detém o contrato de arrendamento da área. Apesar disso, Watford não esmoreceu. Ela ambiciona transformar o local para o verdadeiro benefício da comunidade, explorando alternativas como a construção de uma fazenda solar. Isso proporcionaria empregos em energia limpa para os moradores e seria um primeiro passo para incentivar o desenvolvimento sustentável.
Para isto, a ativista está recolhendo assinaturas e depoimentos em vídeo apelando para o Departamento de Energia de Maryland expulsar a empresa e seu projeto de incinerador. Com apoio suficiente, Watford espera ganhar o processo e reconquistar o orgulho de sua comunidade.
Leng Ouch
Ele expôs ao mundo a conivência criminosa entre empresas madeireiras e funcionários do governo de seu país
As florestas do Camboja são um recurso vital para a maior parte da população do país, que vive em áreas rurais e depende da agricultura de pequena escala para a sua sobrevivência. No entanto, vastas áreas florestais têm desaparecido a uma velocidade vertiginosa. No começo dos anos 2000, o governo cambojano passou a emitir a concessões econômicas de terras (ELCs), um sistema de locação de longo prazo destinado a promover o desenvolvimento da agricultura em larga escala, como plantações de cana-de-açúcar e borracha.
Acontece que essas ELCs tornaram-se uma maneira de encobrir operações madeireiras ilegais. Grande parte dessa madeira é contrabandeada para a China para atender a demanda voraz por móveis de luxo, considerados por muito tempo um símbolo de status para a crescente classe média alta daquele país.
Em um país que ainda se recupera das atrocidades do regime do Khmer Vermelho (1975-1979), as ELCs tornaram-se uma nova forma de opressão através do afastamento de agricultores pobres de sua única fonte de sustento, a terra.
O ativista
Leng Ouch nasceu em uma família pobre de agricultores pouco antes do autoritário Khmer Vermelho chegar ao poder. Durante o regime, ele e sua família mudaram-se de floresta em floresta plantando alimentos para a própria sobrevivência. Em 1980, poucos anos após o término da guerra civil cambojana, eles mudaram-se para Phnom Penh. Como sua mãe sofria de doença mental e seu pai passava longas horas dirigindo um triciclo para sustentar a família, Ouch foi deixado em grande parte por conta própria.
Em uma escola particular local, ele fez um acordo para limpar as salas de aula e ajudar os professores em troca de educação, já que não tinha como pagar. Os ganhos de seu pai eram apenas suficientes para cobrir as despesas em casa. Apesar das dificuldades, Ouch perseverou e se destacou em seus estudos. Ele ganhou uma bolsa para estudar direito e começou a trabalhar com várias organizações de direitos humanos, um caminho que ele escolheu para ajudar os pobres e sem instrução a lutar por seus direitos contra abusos do governo.
Ele fundou a ONG The Human Rights Task Force que expôs a exploração ilegal de madeira para a comunidade internacional. Para conseguir provas, ele adotou vários disfarces — passou por um trabalhador, comerciante de madeira, motorista, turista, e até mesmo por um cozinheiro. Tudo para documentar as operações ilegais do maior magnata da madeira do Camboja e expôr a conivência criminosa entre empresas madeireiras e funcionários do governo em todos os níveis de poder.
As denúncias de Ouch contra o governo do Camboja colocaram-no sob um risco enorme, em um país onde o ativismo pode ser fatal. Chut Wutty, um ativista ambiental foi brutalmente assassinado em 2012, e em novembro passado, um guarda florestal e um policial foram mortos a tiros enquanto patrulhavam florestas contra a exploração madeireira ilegal e a caça furtiva.
Em 2014, como resultado do crescente descontentamento entre os cambojanos e crescente escrutínio da comunidade internacional, o governo cancelou 23 concessões de terra que cobrem 220.000 acres de floresta, incluindo dois ELCs que haviam sido concedidos dentro do Parque Nacional Virachey, área rica em biodiversidade “protegida” pelo governo federal.
Atualmente, Ouch trabalha com uma equipe de advogados na formulação de estratégias de políticas de combate à extração ilegal de madeira que possam ser replicadas em outros lugares.
Zuzana Caputova
Ela liderou a maior mobilização de cidadãos na Eslováquia pelo direito ao meio ambiente limpo e equilibrado
Em Pezinok, uma encantadora cidade da Eslováquia, a viticultura desempenha um papel importante na economia, atraindo turistas interessados em aprender sobre vinhos e suas histórias. Nos últimos anos, porém, o país também se tornou conhecido como um grande depósito de lixo de países vizinhos da Europa. O problema teve origem nos anos 1960, quando o lugar recebeu um aterro sem qualquer autorização ou salvaguardas, instalado a menos de um quilômetro de distância de uma área residencial.
Quando o lixão atingiu seu limite, um rico empreiteiro local com laços estreitos com as autoridades planejou construir uma outra área de despejo. Apesar da existência de um decreto de 2002 que proibia aterros dentro dos limites da cidade, os planos para o segundo lixão foram adiante sem qualquer resistência. Enquanto isso, os residentes em Pezinok pagavam o preço do lixão irresponsável. As taxas de câncer, doenças respiratórias e alergias na área começaram a subir, com um tipo específico de leucemia sendo relatado oito vezes mais do que a média nacional.
Nascida e criada em Pezinok, Zuzana Caputova é advogada de uma organização de interesse público, a VIA IURIS. O legado tóxico do depósito de lixo afetou sua vida em vários níveis. O cheiro fétido do aterro nas proximidades invadia todos os dias seu trabalho e sua casa, onde ela mantinha as janelas fechadas para proteger suas duas filhas pequenas. A gota d’água foi quando seu tio e a mulher de um colega próximo receberam diagnósticos de câncer, na mesma semana.
Armada com seu conhecimento jurídico, ela engajou artistas, empresas locais, produtores de vinho, estudantes, líderes religiosos e outros membros da comunidade em uma campanha popular para fechar o lixão. Eles se reuniram e organizaram protestos pacíficos, concertos e exposições fotográficas e coletaram mais de 8.000 assinaturas em uma petição enviada ao Parlamento Europeu. Além de mobilizar a sociedade civil, ela criou um desafio legal implacável para o novo aterro através dos sistemas judiciais da Eslováquia e da União Europeia.
A campanha chegou ao auge em 2013, quando o Supremo Tribunal da Eslováquia decidiu que o novo projeto de aterro era ilegal. O tribunal também ordenou que o antigo lixão decrépito fosse desligado. O veredito ecoou uma decisão do Tribunal da UE da Justiça, que destacou o direito da sociedade civil de participar das decisões que afetam o meio ambiente, não só em Pezinok, mas em toda a UE.
Caputova agora luta para reformular as leis de construção e licenciamento na Eslováquia e aumentar o acesso do público à informação ambiental e tomada de decisão. Junto com seus colegas, ela também fornece assistência jurídica para outras comunidades na Eslováquia que estão lutando contra a poluição industrial.
A vitória em Pezinok – considerada a maior mobilização dos cidadãos desde da Revolução de Veludo em 1989, que levou à deposição do governo comunista da antiga Checoslováquia – define um precedente importante para o engajamento cívico na Eslováquia, com uma história inspiradora de cidadãos que lutam por seus direitos a um ambiente limpo e seguro.
Luis Jorge Rivera Herrera
Ele liderou uma poderosa oposição pública aos megarresorts em uma área de rico valor natural em Porto Rico
O Corredor Ecológico do Nordeste (CEN), situado na costa norte de Porto Rico, tem um enorme valor paisagístico e biológico. Ele é o lar de mais de 50 espécies raras, ameaçadas ou em perigo. No final dos anos 90, com promessas de revitalizar a economia da região, empreiteiros propuseram dois megarresorts, com mais de 3.500 quartos e unidades residenciais, vários campos de golfe, um shopping e outros edifícios. Estes projetos degradaram o habitat do corredor, afetando a vida selvagem e fontes de água, além de limitar o acesso público às praias.
Nascido em Porto Rico, Luis Jorge Rivera Herrera passou muitos fins de semana de sua infância em uma fazenda de cocos que era propriedade de sua família desde 1873. Quando ele tinha 8 anos, o governo se apropriou da fazenda para construir uma planta de tratamento de águas residuais no lugar.
A lembrança dos tratores destruindo o recanto familiar ajudou a construir a base de seu compromisso de vida para proteger o meio ambiente e exigir que o governo assuma as responsabilidades ambientais e respeite os direitos dos cidadãos. Na vida adulta, Rivera estudou ciência ambiental e se especializou em gestão e planejamento ambiental.
Em 1999, ele viu um anúncio de jornal sobre um novo projeto de megarresorts para região. Por conhecer pessoalmente o valor recreativo e ambiental da área, ele estava determinado a não deixar o governo passar dessa vez. Rivera e um grupo de amigos organizaram uma oposição pública à empreitada.
A campanha ganhou um novo impulso com a chegada do grupo ecologista americano Sierra Club, que levou à formação de uma coalizão. Com seu apoio, Rivera desenvolveu um projeto de lei para a proteção do corredor como uma reserva natural. A lei foi aprovada na câmara porto-riquenha, mas no final foi bloqueada por alguns senadores, um dos quais viria a ser condenado por corrupção e suborno.
O projeto de lei acabou morrendo, mas os esforços de Rivera e da coalizão angariaram um apoio público formidável para a proteção do corredor, criando um ambiente político seguro para o governador da época, Acevedo Vila, contornar o Legislativo e assinar uma ordem executiva para criação da chamada reserva natural Nordeste Corredor Ecológico. Mas a história não termina aí.
Porto Rico elegeu um novo governador em 2008, que defendia uma plataforma de crescimento econômico atrelada ao setor da construção. Empreiteiras por trás de megarresorts contribuíram generosamente para a sua campanha, e logo depois que ele foi eleito, em outubro de 2009, o governador Fortuño revogou a designação feita por seu antecessor, deixando o corredor vulnerável ao desenvolvimento desses projetos.
Em 2012, Rivera Herrera e a coalizão, com ajuda de legisladores, aprovaram uma nova lei para criação da reserva. Dada a imensa pressão pública e ao risco de perder sua reeleição, Fortuño assinou o projeto de lei. A decisão ganhou mais vigor em abril de 2013, quando o então governador eleito, García-Padilla, expandiu a declaração de reserva natural para incluir terras privadas localizadas no corredor.
O ativista e seus colegas da coalizão agora angariam fundos para ajudar o governo a comprar os terrenos particulares que permanecem no corredor. Além disso, eles estão trabalhando junto com os cidadãos em um plano que visa desenvolver o corredor como destino de ecoturismo, que vai gerar o financiamento para recuperação e manejo de fauna e flora, além de revitalizar a economia local.
Edward Loure
Ele usou a força da união das comunidades tradicionais para garantir o direito à terra na Tanzânia
Nos pastos do norte da Tanzânia, comunidades de pastores e caçadores viviam de forma sustentável há gerações, em coexistência com a migração de animais selvagens nativos. As comunidades Maasai movem seus rebanhos de acordo com as estações do ano, tomando cuidado para não abusar dos recursos da terra a fim de compartilhá-los com os gnus, gazelas e outros animais que mantêm o ecossistema em equilíbrio.
Porém, nos anos 1950, o estabelecimento de parques nacionais deslocou os povos indígenas de suas terras tradicionais. Eles tornaram-se “refugiados da conservação.” Nos últimos anos, esses conflitos têm crescido. Migrantes urbanos invadem pastagens tradicionalmente geridas pelo povo Maasai, enquanto o governo vende concessões de terras a uma indústria florescente de safari e caça.
O aumento da concorrência sobre a terra limitada não só tem perturbado o equilíbrio do ecossistema, mas também deslocado fisicamente os povos indígenas, cuja existência e subsistência desempenham um papel fundamental na proteção da vida selvagem e do meio ambiente. Sem contar que a receita criada a partir a indústria do turismo raramente flui de volta para beneficiar as comunidades deslocadas.
Nascido em uma tribo Maasai, Edward Loure cresceu nas planícies onde sua família e outras pessoas da comunidade levavam uma vida seminômade pacífica em harmonia com a natureza. Mas tudo mudou em 1970, quando o governo da Tanzânia despejou os Maasai de suas terras para criar o Parque Nacional de Tarangire.
Suas experiências pessoais, formação cultural e educação em gestão e administração colocaram-no em uma posição especial para liderar a equipe de uma organização local em defesa do direito à terra das comunidades e do desenvolvimento sustentável no norte da Tanzânia. Loure e a equipe da ONG (UCRT) encontraram uma oportunidade em um aspecto particular de Maasai: a forte cultura comunitária. Isso tornou-se a base para a emissão de certificados de ocupação de terra usando uma abordagem criativa.
Em vez do modelo convencional de dar títulos de terra a indivíduos, Loure permitiu que comunidades inteiras garantissem os direitos indivisíveis sobre suas terras tradicionais e gerissem esses territórios através de estatutos e planos de gestão. Ao formalizar propriedades de terra de comunidades e fornecer a documentação legal, os certificados iriam ajudá-los a proteger seus direitos à terra e garantir a gestão ambiental do seu território para as gerações futuras.
Lure e a ONG, juntamente com parceiros nacionais e internacionais, buscam agora replicar o modelo em toda a Tanzânia, com pastagens comuns de cerca de 700.000 acres programados para titulação nos próximos dois anos. Seu objetivo é ampliar os esforços para que a titulação da terra com base na comunidade torne-se um componente-chave do planejamento e gestão do uso da terra, equilibrando as necessidades das pessoas com o ambiente e a economia.
Fonte: Exame