Elas conquistaram cargos públicos em cidades como Meca, em eleição história
RIADE, Arábia Saudita — As eleições municipais deste fim de semana representaram um marco na História da Arábia Saudita. Pela primeira vez, mulheres puderam votar e se candidatar aos cargos em disputa, e os resultados divulgados neste domingo apontam que 19 delas foram eleitas. O conservador reino islâmico, governado sob as regras da sharia, foi o último país do mundo a permitir a participação feminina nos pleitos. A vitória das candidatas foi comemorada por ativistas, mas a conquista é considerada modesta.
— Mesmo se não houvesse nenhuma eleita, estaríamos orgulhosas — comentou a ativista Sahar Hassan Nasief, em entrevista à AFP. — Francamente, não esperávamos qualquer vitória.
O pouco otimismo era esperado. Dos cerca de 6.900 candidatos, apenas 979 eram mulheres, que disputavam os 2.112 cargos em 284 conselhos municipais. Dos 21 milhões de habitantes do reino, estavam registrados para votar 1.355.840 homens e apenas 130.637 eleitoras. Não foram divulgados números gerais de participação, mas na região de Baha, no sudoeste do país, 82,5% das cadastradas foram às urnas, informou a comissão eleitoral local.
A primeira vitoriosa a ser anunciada foi Salma Bint Hizab al-Oteibi, que ganhou uma cadeira no conselho municipal de Madrakah, em Meca, local sagrado para o islã. Ela disputou a vaga com sete homens e outras duas mulheres. Huda al-Jeraisy, filha de um ex-diretor da câmara do comércio, conquistou um assento na capital Riade. Ela era apontada pelos sauditas como símbolo de aprovação da participação feminina no pleito.
Lama Bint Abdulaziz al-Sulaiman, Rasha Hafza, Sana Abdulatif Abdulwahab al-Hamam e Massoumeh al-Reda foram eleitas em Jidá, segunda maior cidade do reino. Ao Norte, Hanouf bint Mufreh bin Ayad al-Hazimi conquistou uma cadeira em al-Jawf, e Mina Salman Saeed al-Omairi e Fadhila Afnan Muslim al-Attawi foram eleitas em províncias na fronteira.
Khadra al-Mubarak foi eleita em Qatif; e em Jazan, Aisha bint Hamoud Ali Bakri foi escolhida. Na província de al-Ahsa, duas mulheres foram eleitas, mas não tiveram seus nomes divulgados imediatamente, o mesmo aconteceu em Qassim, cidade localizada na região mais conservadora do país. Outra candidata venceu em al-Babtain.
RESTRIÇÕES PERMANECEM
A permissão para o sufrágio feminino foi anunciada em 2011, pelo rei Abdullah bin Abdul-Aziz al-Saud, morto em janeiro deste ano. A regra foi mantida pelo seu sucessor, Salman bin Abdul-Aziz al-Saud. Em outros países, a liberação da participação feminina no processo eleitoral normalmente é impactante na luta por igualdade de gênero, mas na Arábia Saudita a repercussão deve ser menor, dada a falta de democracia e as restrições às mulheres a ações básicas, como dirigir.
Antes de o rei Abdullah anunciar que as mulheres poderiam participar das eleições deste ano, o Grande Mufti da Arábia Saudita, principal figura religiosa, descreveu o envolvimento feminino na política como “abrir as portas para os demônios”.
Em comunicado, a organização internacional Human Rights Watch (HRW) celebrou a iniciativa do governo saudita, classificando a participação feminina na eleição como um “marco”, mas ressaltou que a “Arábia Saudita continua a discriminar mulheres por leis, políticas e práticas”. Como as mulheres não são permitidas a se relacionar com homens que não sejam da família, elas foram prejudicadas na campanha, já que o número de eleitores do sexo masculino é dez vezes maior.
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A baixa participação feminina no eleitorado também é explicada pelas restrições sociais impostas a elas. Apenas um terço dos centros de registro de eleitores era voltado para o atendimento de mulheres, e como elas são proibidas de dirigir, a distância era uma barreira. As mulheres árabes também enfrentam problemas para fornecer documentos de identidade e residência, já que os documentos ficam em posse dos maridos.
— Se um homem não quiser que a esposa participe, ele pode se negar a dar os documentos a ela — comentou uma ativista à HRW.
“As autoridades sauditas devem encerrar todas as restrições discriminatórias para o exercício das mulheres ao direito de participação política e acabar com toda discriminação contra as mulheres na lei e na prática, incluindo a abolição do sistema de guarda masculino e políticas de segregação sexual”, afirmou a ONG.
Fonte: O Globo