Ajudo mulheres em situação de risco a conquistarem emprego e moradia para que elas encarem a gravidez como algo positivo e tenham dignidade pra criar os filhos!
A maternidade é uma coisa mágica. É lindo que uma criança saia de dentro da gente e cresça com a nossa ajuda. Mas, aos 33 anos e recém-casada, eu me via privada desse sonho porque não conseguia engravidar. Fiz vários tratamentos, mas nada dava certo. Como queria muito ser mãe, decidi resolver minha questão da não-maternidade ajudando mulheres vulneráveis para quem ter um bebê estava longe de ser uma felicidade. Eram moradoras de rua, usuárias de droga, pessoas abusadas pelos pais e pelos parceiros que viam na criança um problema a mais numa vida já muito complicada. Assim nasceu, em 2000, a Associação Lua Nova, uma ONG para ajudar mães carentes em situação de risco.
Apoio meninas abandonadas pela família que vivem nas ruas
Sempre defenderei que ter um filho é algo maravilhoso, mas não sou ingênua. Já havia trabalhado muito com moradores de rua quando montei a ONG e sabia que, para muitas mulheres, a maternidade era quase impossível. Faltava dinheiro, elas não tinham onde morar, eram abandonadas pela família… Aí vinha o Conselho Tutelar, determinava que elas não podiam ser mães e tomava as crianças. O juiz desvalorizava a capacidade que essas mulheres tinham de serem mães, sempre olhando para o que elas não tinham em vez de ajudá-las a conquistar algo. Isso era muito errado. Lugar de criança é com a mãe. Pra piorar, essas mulheres eram taxadas como vagabundas e prostitutas por estarem com seus filhos na rua, uma visão que eu queria mudar. Já havia atuado numa ONG semelhante na Itália, a Vila Renata, e via o quão transformadora a maternidade pode ser. Ser mãe é algo poderoso. Quando havia uma criança no jogo, as mães passavam a ter um objetivo e ficavam dispostas a desenvolver habilidades e potenciais para mudarem de vida. Isso sim é mágico! Assim que voltei ao Brasil bolei um projeto e emprestei uma chácara da associação italiana para abrigar as mulheres e começar a trabalhar.
Como ninguém queria contratar as mães, fizemos bonecas pra vender
Foi uma avalanche de trabalho. Começaram a chegar mulheres com pencas de filhos. O Conselho Tutelar me mandava as mulheres e depois largava uns colchões e uns berços na minha porta. Minha primeira ideia foi montar um grupo sobre maternidade para falar sobre a relação que as mulheres tinham com os bebês. Foi um desastre. Algumas tentaram abortar e até se jogaram na frente de carros pra tirar o filho. Percebi logo que, pra ajudar aquelas famílias, as mães precisavam de mais que papo: tinham que ter casa e trabalho. Tentei em vão arrumar emprego para as mães da Lua Nova. Ninguém queria contratá-las. Foi aí que surgiu a ideia de fazer bonecas para vender, fazendo com que elas tivessem alguma renda. E eu ia vender justamente pras empresas que não queriam contratar as meninas. Não foi simples, claro. As primeiras bonecas ficaram indecentes. Horrorosas… Mas a gente vendia. A coisa só começou a melhorar quando fiz um curso de plano de negócios na Ashoka, uma associação sem fins lucrativos que buscava capacitar empreendedores sociais, e participei de uma seleção para receber apoio no projeto. Eu era vista por essa gente das ONGs como uma caipira do interior na época e ninguém botava muita fé no que eu fazia, mas a Ashoka tinha gostado da minha ideia.
Elas passaram a trabalhar e a ter independência. Até casa ergueram!
Mal pude acreditar quando vi que estava passando nas fases da seleção. Conforme o projeto da fábrica de bonecas chegava perto da aprovação, outra bomba: descobri que estava grávida! De gêmeas! Bem que dizem que essas coisas só acontecem quando a gente desencana… A Ashoka nos escolheu, financiou a ideia e nos deu muita visibilidade. Aí, a Lua Nova começou a ser levada a sério e outras associações nos procuraram pra oferecer ajuda. A partir daí, nossos projetos começaram a se multiplicar. Algumas meninas começaram a vender bolachinhas e fizeram cursos na área. Depois, passaram a servir coffee breaks para empresas. Elas mesmas preparavam tudo! Por volta de 2004, fui visitar uma menina que havia saído da Lua Nova. Quando cheguei à casa dela, vi que tinham umas bananas e alho pendurados do teto. “Que decoração ousada”, brinquei. Ela me falou que o lugar estava cheio de ratos. Assim não dava! Por isso, me lancei em mais um projeto: construção civil. As meninas aprenderiam a erguer suas próprias casas. Muita gente duvidou que isso daria certo, mas eu só conseguia pensar nos ratos. Me inscrevi em mais uma seleção de projetos da Ashoka, fiz parceria com o Senai e uma vaquinha com as meninas pra comprar um terreno de R$ 3 mil numa pirambeira. Quando passamos na seleção, fizemos a primeira casa. Foi demais! Aí, as empresas viram que dava certo e nos ajudaram erguer dois condomínios, um com 15 e outros com sete casas. De lá pra cá, as mães estão cada vez mais atuantes na ONG. Em vez de funcionários, agora são elas que coordenam os projetos. Minhas filhas – as biológicas, Giulia e Sofia –, se orgulham da Lua Nova e também ajudam fazendo vídeos de captação de recursos e visitando as meninas. É uma grande família! Minha satisfação é ver como muitas das mães abraçaram o poder e o potencial que têm e transformaram suas vidas. As meninas que estão vivendo nos condomínios aprenderam quão importante é fazer uma comunidade forte, que se ajuda. Elas cuidam dos filhos das outras, se ajudam com dinheiro, com trabalho… Hoje, essas mães estão andando com as próprias pernas e cuidando bem dos filhos. Não são pobres coitadas que precisam ser carregadas nas costas por programas assistencialistas do governo, mas mulheres poderosas que comandam as próprias vidas e decidem o futuro dos filhos sem sofrer nas mãos do Conselho Tutelar. Elas têm suas casas, um espaço que é delas para criar a família. Focamos numa mudança de vida econômica sim, mas essencial para a maternidade. Com tudo isso, engravidar não é mais um problema, é uma felicidade.
RAQUEL BARROS , 49 anos, psicóloga, Sorocaba, SP
“Rejeitava a gravidez. Hoje, meus filhos são tudo!”
“Cheguei à Lua Nova aos 14 anos, grávida do meu primeiro fi lho. Na época, morava ora com meu namorado, ora com minha mãe. Ele era usuário de drogas e ela, trafi cante. Pra piorar, minha mãe me acusava de sair com o marido dela desde que eu tinha 11 anos. Com tudo isso, minha experiência com a maternidade não era das melhores. Tanto que, quando engravidei, não quis o bebê. Meu tempo na ONG me deu autoestima e me fez entender que ser mãe pode ser algo muito bom. Aprendi que tenho um caminho mesmo quando acho que estou no fundo do poço. Hoje, trabalho na ONG e sou outra mulher. Meus fi lhos são tudo pra mim!”
THAIS CRISTINA DOS SANTOS , 28 anos, educadora, Sorocaba, SP
Fonte: Sou Mais Eu