Vítimas do machismo e do racismo, elas querem atenção do Estado.
Número de assassinatos de negras aumentou 54% em 10 anos.
As mulheres negras vêm tomando as ruas e as redes sociais para denunciar o cotidiano de racismo e machismo que vivem nas escolas, universidades e no mercado de trabalho, além da violência doméstica que sofrem, muitas vezes, de forma silenciosa. Vítimas do duplo preconceito, elas reivindicam políticas públicas voltadas para a proteção de seus direitos.
Dados de violência contra mulheres negras são um exemplo do quanto elas estão vulneráveis. Segundo o “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil”, divulgados em 9 de novembro, a ocorrência de assassinatos de negras aumentou 54,2% em 10 anos (2003 – 2013), enquanto que número de homicídios de mulheres brancas no mesmo período caiu 9,8%.
“A mulher negra é o símbolo da marginalização. Além do machismo, enfrenta o racismo. Nós somos, numa escala de hierarquia, três vezes mais atingidas pela violência e a discriminação. Se as mulheres brancas são ‘privilegiadas’ de certa forma pela cor da pele, e os homens negros, pelo machismo, as mulheres negras sofrem mais”, afirma Stephanie Ribeiro, de 22 anos.
Negra e estudante de arquitetura na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas(SP), Stephanie viu seu nome envolvido em discussões em redes sociais devido ao seu ativismo. Segundo ela, pessoas começaram a roubar suas fotos no Facebook para fazer vídeos e criticar o que chamaram de “discurso racista contra brancos”.
A sociedade naturaliza a subordinação da mulher negra e não vê isso como um problema. Ela [sociedade] entende como se esta condição já fizesse parte da paisagem”, afirma Jurema Werneck, médica e fundadora da ONG Criola.

Stephanie diz ter sido alvo de perseguição na internet pelo seu ativismo (Foto: Arquivo Pessoal)
O Mapa da Violência, elaborado com dados oficiais do governo federal, também mostra que, mesmo com a Lei Maria da Penha – em vigor desde 2006 e que aumenta o rigor das punições para crimes contra mulheres do ambiente familiar –, a violência doméstica contra a mulher negra aumentou 35%. Já o número de vítimas brancas caiu 2,1%.
Segundo o Censo de 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Greografia e Estatística (IBGE), as mulheres negras representavam cerca de um quarto da população brasileira.
Marcha em Brasília
Nesta semana, em que é comemorado o Dia da Consciência Negra nesta sexta (20), milhares de mulheres negras marcharam na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Elas defendem “uma reação conjunta contra o racismo”, afirma a secretária de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Iêda Leal, uma das organizadoras do ato.

Iêda Leal durante Marcha das Mulheres Negras em Brasília (Foto: Renato Alves/CNTE/divulgação)
Dois policiais civis foram presos por disparar tiros para o alto durante a marcha, realizada na quarta-feira (18). Um deles participava de um acampamento em frente ao Congresso, que pede a volta dos militares ao poder.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) foi atingido por gás pimenta na confusão.
“As mulheres negras estão marchando para dar voz à nossa reação, mostrando que chega e que não vamos mais aceitar e nos conformar com a situação”, diz Iêda. “O racismo é crime e existe no Brasil. Queremos iniciar um debate nas escolas, queremos que o Estado nos proteja com ações afirmativas, seja nas áreas de saúde, trabalho, moradia como na segurança.”
Iêda cita como exemplos o atendimento específico para negras em delegacias e abrigos, além de grupos comunitários que troquem informações para trabalhar o “empoderamento da mulher negra frente às dificuldades”.
Ministério
Quando foram divulgados os dados de violência contra as mulheres, a secretária Especial de Políticas para Mulheres, do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Eleonora Menicucci, classificou como “lamentáveis” os resultados.
“A luta contra o racismo assumiu uma magnitude não só no Executivo do governo federal, mas também na própria sociedade”, afirmou ela na ocasião.
O G1 questionou o ministério e a secretaria sobre políticas públicas voltadas para mulheres negras, mas, até a publicação desta reportagem, não recebeu retorno.
Saúde é preocupação
As ativistas demonstram preocupação com a saúde da mulher negra, em especial a ausência de políticas e de estudos relacionados a doenças características desenvolvidas por elas.
Em Santos, no litoral paulista, Alzira Rufino coordena há mais de 30 anos a Casa de Cultura da Mulher Negra, uma instituição feminista que acolhe e oferece proteção jurídica a mulheres negras vítimas de preconceito, sexismo e racismo.
Ela defende ações sociais voltadas às especificidades das mulheres negras, tanto na saúde física quanto psicológica.

Alzira Rufino é coordenadora da Casa de Cultura da Mulher Negra (Foto: Arquivo Pessoal)
“Eu ouço relatos todos os dias, todas as horas, de uma grande discriminação em todas as áreas. A mulher negra, a meu ver, é tratada de maneira pejorativa pelas pessoas e no mercado de trabalho”, diz Alzira.
“Ela pode ter curso universitário, mestrado, mas não consegue emprego devido à cor da pele, ao tipo do cabelo, a sua maneira de ser. Elas não conseguem entrar em uma loja no shopping sem receberem olhares desconfiados.”
Alzira afirma que a questão da violência contra as negras é ainda mais séria. “Somos muito mais fáceis de se exterminar. As mulheres negras são mortas por facadas, e isso é um assunto extremamente sério. O Brasil ainda não abriu os olhos para isso.”
“As mulheres negras estão se rebelando. Ainda há muito a fazer e pouco a se comemorar. Agora é que o assunto começa a ser visto com mais seriedade. Todas nós, mulheres negras, vamos resistir.”
Fonte: G1