Três coisas acontecem quando há mulheres no laboratório: você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você, e elas choram quando são criticadas.” Bom, também podemos dizer que três coisas acontecem quando um prêmio Nobel diz uma besteira tão grande. 1) Uma onda de protestos varre a internet. 2) O autor da frase pede desculpas. 3) Ele perde o emprego. Pelo menos foi isso que ocorreu com o inglês Tim Hunt, prêmio Nobel de física em 2010. Após a polêmica, ele pediu demissão da University College London, onde era professor honorário. Na verdade, mais uma coisa aconteceu: 4) O episódio, por mais desastrado que tenha sido, evidenciou algo geralmente velado: o preconceito contra mulheres na ciência.
Há muitos exemplos de pesquisadoras revolucionárias, como Marie Curie (a primeira pessoa a ganhar o Nobel em duas áreas distintas), Jane Goodall (retratada no filme A montanha dos gorilas) e Ada Lovelace (que, no século 19, criou o primeiro algoritmo a ser processado por uma máquina). Ainda assim, a presença feminina nos laboratórios não é estimulada. Na Academia Brasileira de Ciência, só 13,5% dos membros são mulheres.
A engenheira Camila Flor, de 31 anos, conhece bem esse cenário. Em 2002, quando foi à Espanha cursar engenharia industrial, viu-se num grupo de 400 alunos, dos quais apenas 13 eram mulheres. A diferença não era só numérica. Seus trabalhos recebiam mais críticas. Notas altas geravam comentários maliciosos. Camila monitorava até a própria voz. Se fosse suave, ela era vista como frágil. Se soasse dura, ela parecia “descontrolada”.
As 13 alunas se apoiavam, mas nunca falaram sobre o problema. Camila só identificou o preconceito depois, quando estudou na Universidade Cornell, a primeira da Ivy League (grupo que reúne a elite das faculdades norte-americanas, como Harvard, Yale e Princeton) a aceitar classes mistas — uma verdadeira ousadia em 1872.
Em Cornell, um sistema permite a denúncia anônima de casos de racismo, por exemplo, o que traz à tona essas questões. Ali, Camila viu que o debate era crucial para conscientizar grupos discriminados. “Quando acha que o problema é só seu, você se fecha e não questiona o que está ao redor”, disse. Foi também em Cornell que ela se apaixonou por um jovem da Islândia — país campeão em igualdade de gênero, segundo o Fórum Econômico Mundial. O ranking avalia o acesso das mulheres à política e à educação. O Brasil está em 71º lugar.
Esse traço cultural se refletiu na vida do casal. Quando Camila foi chamada para trabalhar no Brasil, o marido a apoiou e veio junto. “Ele me ensina no dia a dia a ser mais igualitária comigo mesma.” Chegando à L’Oréal Brasil, ela teve uma boa surpresa: as mulheres são maioria no centro de pesquisa da companhia. Não há um plano para privilegiá-las, garante Blaise Didillon, diretor de pesquisa e inovação. Todos têm as mesmas chances, o que vale é o talento. E essa variedade beneficia a empresa. “O potencial criativo é impulsionado pela diversidade dos nossos pesquisadores”, afirma Didillon.
Para Camila, foi um alívio. “Pude relaxar ao ver que as ideias são valorizadas independentemente do gênero.” Além disso, ela pôde ajudar novas pesquisadoras por meio do prêmio Para Mulheres na Ciência, da L’Oréal Brasil. “Fui dar uma palestra em uma universidade e vi que as alunas enfrentam questões parecidas.” Sua dica? “Não se calem. Antes, precisávamos nos adaptar ao meio científico. Agora, é a ciência que se adapta à presença da mulher. E o caso de Tim Hunt mostra bem isso, não é mais aceitável um comportamento como o dele. A ciência também precisa da mulher.”
Primeiro programa dedicado a mulheres cientistas no mundo, o For Women in Science nasceu em 1998, fruto de uma parceria entre Unesco e Fundação L’Oréal. Confira alguns resultados.
>> Mais de 2 mil mulheres em 115 países já receberam bolsas de pesquisa por meio do programa.
>> A cada ano, cinco cientistas com trabalhos de alto impacto na sociedade recebem um prêmio de US$ 100 mil. Duas delas já conquistaram o Nobel.
>> Seis brasileiras já foram premiadas — este ano, uma das contempladas foi a cientista Thaisa Storchi Bergmann, especialista em astronomia.
>> Há dez anos, o programa foi instituído no Brasil. Desde então, já distribuiu cerca de US$ 1,2 milhão entre 61 mulheres cientistas com carreiras promissoras.
Este ano o programa recebeu mais de 400 inscrições, e as vencedoras serão anunciadas em agosto.