Língua Nheengatu foi a escolhida; para a ministra, o texto reconhece os direitos territoriais dos indígenas como originários
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, lançou nesta quarta-feira (19) a primeira Constituição da história do Brasil traduzida para uma língua indígena. O idioma escolhido para o projeto foi o Nheengatu, conhecido como o tupi moderno.
O lançamento foi feito na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM). O Nheengatu é uma das quatro línguas cooficiais do município, conhecido como o mais indígena do país.
Para Weber, a tradução representa um momento “histórico” e “símbolo do compromisso da garantia de que todos os povos indígenas tenham acesso à Justiça e conhecimento das leis que regem o país”.
Conforme a ministra, a Constituição já havia sido traduzida antes para inglês e espanhol, mas nunca para um idioma nativo do Brasil.
Também acompanharam a atividade a ministra do STF, Cármen Lúcia, e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, além da presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
Em seu discurso durante o lançamento, Rosa Weber fez diversas reverências ao movimento indígena e à necessidade de proteção dos territórios.
“Por meio da nossa Constituição cidadã, indígenas tiveram seus direitos à diferença reconhecidos”, afirmou. “Não foi só isso. Os artigos 231 e 232 reconhecem os direitos territoriais dos povos indígenas como originários e imprescindíveis para preservação de sua cultura e organização social, segundo seus usos, costumes e tradições”.
“Esses dispositivos reconhecem mais. Reconhecem a proteção e o dever de proteção do Estado brasileiro, de desenvolvimento de políticas voltadas à inclusão e preservação das culturas indígenas, inclusive do direito de acesso à Justiça e a legitimidade de comunidades e organizações indígenas a demandarem seus próprios direitos perante o Poder Judiciário”, declarou.
A fala da ministra ecoa os impactos da tese do marco temporal, em julgamento no STF, especialmente sobre o que se entende como “direitos originários”.
Pela tese, defendida por ruralistas, os povos indígenas só podem reivindicar territórios que estavam ocupando na data da promulgação da Constituição em 1988.
A análise do caso na Corte foi interrompida no começo de junho por um pedido de vista do ministro André Mendonça. O magistrado tem até 90 dias para devolver o processo para julgamento, mas disse na ocasião que se comprometia a entregar antes. A própria Rosa Weber disse, durante a sessão, que gostaria de votar na ação – ela se aposenta no começo de outubro.
No momento, o placar contra o marco temporal está 2 a 1, com diferenças nos votos contrários ao marco.
Constituição em língua indígena
A tradução da Constituição para o Nheengatu foi feita por indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós.
O projeto foi realizado em parceria com o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) e a Escola Superior da Magistratura do Estado do Amazonas, com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional e da Academia da Língua Nheengatu.
Segundo o STF, a iniciativa visa promover os direitos dos povos indígenas no marco da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas. Também tem o objetivo de cumprir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 da Agenda 2030, cuja finalidade trata da promoção de sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, e garatias para o acesso à justiça para todos.