Conclusão é de estudo que analisou dados de ingresso no SUS entre 2015 e 2022
Uma pesquisa inédita revela que mulheres são 75% das vítimas de violência física e sexual no Brasil, mas pretas e pardas são ainda mais afetadas. Dependendo da região, elas também têm mais que o dobro do risco de sofrer algum tipo de violência em relação às brancas.
É o que revela um estudo com a análise de mais de 1 milhão de dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), do Ministério da Saúde, entre 2015 e 2022. Esses dados são referentes a mulheres que deram entrada no SUS (Sistema Único de Saúde).
A pesquisa foi desenvolvida pela Vital Strategies, organização internacional composta de especialistas e pesquisadores que fazem recomendações de políticas públicas a governos.
Fatima Marinho, assessora técnica da Vital, afirma que as diferenças observadas nos dados podem ter relações socioeconômicas, culturais e regionais.
“Nas regiões mais ricas, a violência contra a mulher é menos visível, como violência psicológica, difícil de identificar pelo profissional de saúde e muitas vezes pela própria vítima. Nas áreas pobres a violência de gênero assume uma forma mais visível, física e sexual.”
A pesquisa fez uma análise mais aprofundada em Goiânia, em Goiás, e no estado do Rio Grande do Norte, comparando dados dos Sinan e do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade, do SUS), que foram acessados de forma integral.
As mulheres negras têm um risco de morte por causas externas 2,7 vezes maior do que as mulheres brancas, por exemplo.
Segundo Sofia Reinach, gerente sênior de Prevenção de Violências da Vital Strategies, a intenção da pesquisa é demonstrar quanto a violência acomete mulheres de forma desigual por raça e região.
“É difícil afirmar exatamente o que aconteceu com essas mulheres. O que a gente está tentando fazer é reconstruir essas trajetórias para entender algumas questões. Essas mulheres têm mais ou menos encaminhamentos para serviços de saúde? São muitos os fatores que fazem com que a violência se agrave ou não.”
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que chama atenção o percentual de 60% da violência sexual ser contra mulheres negras. No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que coleta os dados por boletins de ocorrência, esse percentual é menor, chegando a 52% em 2021.
Nunca encontrei esse percentual tão elevado. Uma hipótese é que a mulher negra pode não procurar a delegacia para denunciar e pode estar dando entrada no sistema de saúde para ter os cuidados de saúde
De acordo com ela, há anos o Norte concentra maiores taxas de violência sexual e feminicídio porque lá tem um problema considerado, na sua visão, grave e localizado. É uma região que viu explodir diferentes formas de violência na última década, o que se agravou com a chegada do crime organizado. A dificuldade de acesso a equipamentos públicos e às autoridades fora das capitais e regiões metropolitanas torna as mulheres ainda mais vulneráveis.
Aline Yamamoto, diretora de Proteção de Direitos, na Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres, do Ministério das Mulheres, afirma que todas as ações propostas pela pasta terão um recorte interseccional, que considera marcadores sociais, como a raça, para formular políticas públicas.
“Esse recorte por raça é prioridade para nossa gestão, tanto de mulheres negras, quanto indígenas e com deficiência. Por isso, estamos revisando todas as notas técnicas e fazendo adaptações para que o trabalho com essa população funcione melhor.”
Entre as propostas estão a parceria com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para a implementação de 40 Casas da Mulher Brasileira e a criação do Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio, que vai servir de base para o desenvolvimento de ações abrangentes de prevenção e enfrentamento a todas as formas de violência baseada em gênero.