A Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou, nesta quarta-feira (31), o projeto de lei que estabelece mecanismos para estimular a igualdade de salários e dos critérios remuneratórios entre mulheres e homens que exercem a mesma função. O PL 1.085/2023 cria regras para que a desigualdade salarial, já proibida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto-Lei 5.452, de 1943), seja punida.
O texto tramita no Senado, em regime de urgência, em três comissões temáticas. Além da CDH, a matéria será apreciada também pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Assuntos Econômicos (CAE) e, depois, será encaminha ao Plenário. A votação da matéria na CAE e na CAS também está prevista para esta quarta-feira.
Durante a discussão da proposta na CDH, a relatora, senadora Zenaide Maia (PSD-RN), decidiu acolher emenda apresentada pela senadora Augusta Brito (PT-CE) e assim resolver um impasse levantado por alguns senadores, como Carlos Viana (Podemos-MG). Ele alertou para a possibilidade de o projeto ser alvo de questionamentos jurídicos futuramente por tratar de forma igual salário e remunerações.
— Eu entendo que o Brasil precisa se debruçar nessas ações, isso é questão de justiça e de Estado. Mas o que nós estamos falando aqui é de institutos jurídicos. Igualdade salarial não é igualdade remuneratória. É diferente. Na justiça, os salários tem que ser iguais, mas a remuneração depende do esforço de cada um, da trajetória de cada um — argumentou o senador.
Para evitar insegurança jurídica, Zenaide acolheu a emenda e substituiu o termo “remuneratória” por “de critérios remuneratórios” sobre os quais “se pode esperar isonomia, sem exigir que o resultado da remuneração final seja igual”, afirmou. Zenaide aproveitou para conclamar as mulheres brasileiras a participarem mais da política e a se candidatarem mais a cargos públicos, lembrando que os direitos das mulheres são decididos no Congresso Nacional.
A senadora Augusta Brito disse que esperava encontrar maior apoio ao projeto no Senado. Ela disse que durante a discussão na CAE, na terça-feira (30), não esperava tanto impasse.
— Eu tenho até vergonha de falar que ainda hoje a gente tem que votar um projeto para que as pessoas entendam que mulheres e homens têm que ganhar o mesmo salário e a mesma remuneração se estiverem na mesma função. Isso para mim chega a doer. Infelizmente a gente tem que fazer o projeto, aprovar o projeto, porque não existe isso comumente — ressaltou.
A votação da matéria foi acompanhada na comissão pela ministra das Mulheres, Aparecida Gonçalves. Ela celebrou o acordo, mas disse que vai seguir acompanhando o trâmite da proposta nas demais comissões. Para ela, a igualdade salarial deve continuar como uma agenda urgente do governo e do Congresso.
— A igualdade salarial e remuneratória no Brasil tem urgência. Nós não podemos tirá-la da urgência em hipótese nenhuma no Senado. Nós vamos brigar para que hoje passe em todas as comissões. Porque nós não podemos aceitar que a desigualdade com as mulheres saia da urgência. Saia da pauta. Não adianta banalizar um debate que é político. Não adianta vir dizer que é a comissão do vendedor da loja. Nós estamos falando da entrada no mercado de trabalho. Nós estamos falando das mesmas condições de trabalho, num mesmo projeto quando entra, a comissão é outra coisa.
Na CAS e na CAE o relatório será apresentado pela senadora Teresa Leitão (PT-PE).
Multa e indenização
Apresentada pelo Poder Executivo, a proposta foi aprovada no início de maio pela Câmara dos Deputados. O texto prevê a aplicação de uma multa 10 vezes maior que o salário mais alto da empresa quando for comprovada diferença salarial entre homens e mulheres para os mesmos cargos. Em caso de reincidência, a multa será dobrada. Na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas não afasta o direito do empregado de promover ação de indenização por danos morais, considerando-se as especificidades do caso concreto.
Atualmente a multa é igual a um salário-mínimo regional, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais medidas legais.
A matéria também determina a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e remuneratória pelas empresas com cem ou mais empregados, observada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709, de 2018) e dispõe que ato do Poder Executivo instituirá protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e remuneratória.
Os relatórios conterão dados publicados de forma anônima e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia por mulheres e homens, além de informações estatísticas sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade.
Caso seja identificada desigualdade salarial ou dos critérios remuneratórios, as empresas privadas deverão apresentar e implementar planos de ação para mitigar essa desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho. Em caso de descumprimento das disposições, será aplicada multa administrativa no valor de até 3% da folha de salários do empregador, limitado a cem salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções.
O projeto prevê, como medidas para garantia da igualdade salarial, o estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e dos critérios
remuneratórios, incremento da fiscalização, disponibilização de canais específicos para denúncias de casos de discriminação salarial, promoção e implementação de programas de inclusão no ambiente de trabalho e fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, as informações fornecidas pelas empresas e indicadores atualizados periodicamente sobre o mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como outros dados públicos que possam orientar a elaboração de políticas públicas.
Garantia
Em seu relatório, Zenaide considerou que a desigualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens é um problema grave que dificilmente será solucionado sem decisiva ação legislativa que determine a obrigatoriedade e disponha sobre meios para garantir que mulheres e homens recebam equivalente salário ou remuneração pelo trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.
A senadora considera que a proposição é necessária para promover política pública de combate à discriminação no ambiente de trabalho e às diferenciações salariais que trazem efeitos em diversos setores da sociedade. Segundo ela, a atual redação do artigo 461 da CLT não veda expressamente a discriminação de gênero e possui efeito sancionador que se verifica predominantemente depois que o problema já ocorreu.
— Ela [legislação atual] não teve efetividade. Por isso a importância dessa lei, que, aliás, o Senado já aprovou duas vezes. O que acontece na vida real é que temos mulheres, no mínimo, com salário de 30% a 40% menor.
Zenaide explicou ainda que resolveu rejeitar duas emendas, da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), que tinham a finalidade de incluir o fator “deficiência” como parâmetro para a definição dos comportamentos discriminatórios, por considerar que a discriminação contra pessoas com deficiência já é crime tipificado pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146, de 2015). Além disso, ela observou que, se acatasse essas emendas, o projeto teria de retornar para análise da Câmara dos Deputados, o que, segundo ela, atrasaria a vigência das medidas propostas.