Quem passa pelo Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, vê a única estátua instalada com a imagem de uma mulher negra na capital paulista: a Mãe Preta. Ela é uma ama de leite, personagem que marcou o período escravocrata brasileiro, amamentando uma criança branca. Na esteira das celebrações do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, a guia de afroturismo Julia Madeira diz que faltam na cidade outros monumentos que representem a intelectualidade negra, não resumindo pessoas negras, do passado e do presente, a estereótipos raciais.
“A Mãe Preta representa um contexto de 1955, quando foi inaugurada. Mas a figura dela, uma ama de leite, não representa verdadeiramente as mulheres negras, principalmente as de hoje”.
No levantamento “Quais histórias as cidades contam: a presença negra nos espaços públicos de São Paulo”, o Instituto Pólis, organização da sociedade civil que atua na defesa do direito à cidade, identificou que, dos 367 monumentos paulistanos, cinco são de pessoas negras. Quatro são de indígenas. Em comparação, 137 homenageiam homens brancos e 18 deles, mulheres brancas.
Mãe Preta: a estátua da única mulher negra em São Paulo
Em 2020, se iniciou um debate sobre a representação de homens e mulheres por meio em monumentos e estátuas: a luta antirracista nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, derrubou personagens escravocratas nos espaços públicos para dar o tom da reformulação da história que os manifestantes defendem. No Brasil, em julho deste ano, a estátua do bandeirante Borba Gato foi incendiada na Capital. Antes disso, a história de apagamentos de figuras negras, por causa do racismo já estava em pauta.
Para Julia, que também trabalha na empresa de caminhadas históricas Guia Negro, a figura da Mãe Preta, que fica em frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, tem contradições.
A mulher aparece amamentando uma criança, branca, e tem o formato do corpo e do rosto distorcidos. “Pés grandes, coxas grandes, olhar para baixo e cabeça pequena. Não é uma imagem que traduz a intelectualidade nem a liderança que as mulheres negras representam”, avalia. “Ela é uma contradição com a imagem da mulher negra hoje, mas não acho que precisa ser retirada. Os movimentos negros podem ressignificá-la”.
Segundo a Prefeitura, em 2004, o monumento à Mãe Preta foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental.
Novas estátuas e “calendário negro”
Como forma de reparar a baixa representação de homens e mulheres negras nas praças e lugares de grande circulação da cidade, a Prefeitura informou que, até março de 2022, cinco estátuas serão instaladas pelas ruas homenageando personalidades negras: a escritora Carolina Maria de Jesus (Parque Linear Parelheiros); o músico e sambista Geraldo Filme (Praça David Raw, na Barra Funda); a sambista e ativista negra Deolinda Madre (Praça da Liberdade, Liberdade); o atleta olímpico e tricampeão no salto triplo Adhemar Ferreira da Silva (canteiro central da Avenida Braz Leme, Casa Verde) e o cantor, compositor e musicista Itamar Assumpção (em frente ao Centro Cultural Penha, Penha).
Julia explica que a celebração da negritude só pode ser vislumbrada plenamente quando não é feita “só em novembro”. “Se é só nesse mês, não é de verdade. É preciso um calendário negro que se valorize a população negra o ano todo. Construir essas estátuas faz parte do pagamento da dívida que a sociedade tem com essa população”, analisa.
“Quero ver Carolina Maria de Jesus em um monumento grande, sendo exaltada pela grandeza que ela teve como um marco da literatura brasileira.”
Fonte: UOL