Dados da pesquisa Visível e Invisível revelam que maioria das mulheres que relatou violência na pandemia tinha filhos, que ao presenciaram tais situações podem também ser atingidos
Em junho de 2021, em parceria com o Insituto Datafolha e o apoio da Uber, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicou a terceira edição da pesquisa Visível e Invisível: a vitimização das mulheres no Brasil. O balanço da pesquisa já foi relatado na edição 92 do Fonte Segura. Um dado, porém, que chamou a atenção dos pesquisadores foi a expressiva quantidade de mulheres com filhos que relataram terem sido vítimas de violência durante o período de pandemia, em que ficaram mais expostas dentro de casa e em muitos casos fragilizadas por conta da situação financeira.
Segundo o levantamento, que ouviu mais de 2.070 pessoas no mês de junho, 60% das mulheres que afirmaram ter sofrido algum tipo de violência no ano pandêmico disseram tinham filhos – a amostra total foi de 1.089 mulheres, das quais 879 aceitaram o módulo de autopreenchimento da pesquisa.
Como a maioria das crianças teve as aulas presenciais interrompidas durante o período, muito provavelmente também foram vítimas de violência ao presenciar agressões contra essas mulheres. O problema requer muita atenção, uma vez que já é farta a literatura sobre a propensão de que filhos de pais violentos reproduzam o mesmo tipo de comportamento na vida adulta, o que mantém a ciclo de violência inalterado por gerações.
Outro fato preponderante da vulnerabilidade dessas mulheres à violência pode ser também a questão educacional. Segundo a pesquisa, a maior parte das mulheres entrevistadas que declararam ter filhos em casa não tem ensino superior: 41% tem ensino fundamental completo outras 41% concluíram o ensino médio. Como resultado, não espanta que 73% dessas mulheres afirmaram ter renda individual de até dois salários mínimos por mês.
A pesquisa mostrou que, no ano pandêmico, oito mulheres foram agredidas a cada minuto. E um fator que ficou evidente após a pesquisa foi a relevância da perda do emprego e renda (25,1%), além da maior convivência com o agressor (21,8%), como pontos de agravamento da situação de violência e vulnerabilidade vivenciada pelas mulheres.
No que diz respeito à percepção da violência, o resultado é muito próximo entre os grupos de mulheres com filho e sem filhos. No primeiro caso, 74% das entrevistadas afirmaram ter a percepção de que a violência contra as mulheres aumentou no último ano contra 73% das mulheres sem filhos.
Em ambos os casos, os dados indicam que violências mais graves, como esfaqueamento ou tiro e espancamento ou tentativa de espancamento acometem mais mulheres que possuem filhos, sobretudo por conta da vulnerabilidade econômica, que já era um problema, mas se agravou ainda mais na pandemia. Hoje já é consenso que as situações de violência doméstica passam por níveis de gradação, com a piora do grau chegando ao limite do feminicídio. E nesse caso mulheres com filhos, mais expostas a possíveis limitações financeiras, têm mais dificuldades para sair das situações de violência e acabam por vivenciar situações-limite.
O avanço da vacinação e a consequente retomada de atividades presenciais nos colocam uma oportunidade de se pensar em políticas públicas que colaborem para enfrentar os desafios do mundo atual, mas, ainda, nos colocam a oportunidade de se pensar nas situações vivenciadas pelas mulheres e crianças vítimas de violência, direta ou indireta, durante momentos tão difíceis como a pandemia. A violência, mais do que nunca, passou a ser mais uma dificuldade e desafio a ser enfrentado. O desafio, assim, se estabelece em pensarmos a violência doméstica além das vítimas mulheres, mas também, seus filhos e todos aqueles que presenciam a violência em suas casas.
Amanda Lagreca
Graduada em Administração Pública pela FGV-EAESP e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Fonte: Agência Patrícia Galvão