Maria Gabriela sugeriu uma PEC para garantir recursos no combate à violência
Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
Proposta, que recebeu apoio de deputadas, foi apresentada por promotora de Justiça durante debate sobre os 15 anos da Lei Maria da Penha
Representantes da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública afirmaram nesta sexta-feira (7) que a falta de estrutura adequada para atender e acolher mulheres vítimas de violência doméstica e familiar ainda é o principal entrave para o combate a esse tipo de crime no País.
Além do aumento da oferta de casas-abrigo e de varas e delegacias especializadas, elas sugeriram que os agressores sejam incluídos em grupos de reeducação e que a análise dos processos passe a incorporar a perspectiva de gênero.
O debate sobre a atuação do Poder Judiciário no enfrentamento da violência contra as mulheres foi promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. O tema foi proposto pelas deputadas Tereza Nelma (PSDB-AL), Flávia Morais (PDT-GO), Norma Ayub (DEM-ES), Rejane Dias (PT-PI), Áurea Carolina (Psol-MG), Carmen Zanotto (Cidadania-SC) e Erika Kokay (PT-DF).
Representando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a promotora de Justiça Maria Gabriela Manssur, do Ministério Público de São Paulo, defendeu uma emenda à Constituição que assegure, no Orçamento federal, recursos para garantir os direitos das mulheres.
“Temos que ter essa previsão orçamentária na Constituição Federal, para garantir a implementação das políticas públicas das mulheres e não ficar batendo na porta de prefeitos e governadores”, disse a representante do CNMP. “Já elaborei uma proposta para apresentar à bancada feminina. Precisamos de prioridade e, sem investimento, não teremos isso”, acrescentou.
Urgência
As deputadas Rejane Dias e Carmen Zanotto colocaram a bancada feminina da Câmara à disposição do CNMP. “Eu queria propor que, tão logo o texto chegue a esta Casa, ele seja assinado pelo coletivo das mulheres e a gente faça um requerimento de urgência para levá-la diretamente ao Plenário”, disse Carmen Zanotto.
Coordenadora de um grupo de pesquisa na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP) sobre acesso à Justiça e desigualdades, Fabiana Severi informou que, em 2020, as ações do governo federal de combate a violência contra a mulher tiveram a menor execução orçamentária dos últimos dez anos.
Ao também propor a canalização de recursos para políticas de apoio a mulheres vítimas de violência, a presidente da Associação de Magistrados do Brasil, Renata Videira, disse que o problema deve ser combatido com ações interinstitucionais. “A violência contra a mulher não é um problema só de direitos humanos, de saúde pública e de educação. É um problema de segurança pública. No Distrito Federal, a maior causa de acionamento do 190 é a violência contra a mulher. O mesmo ocorre no Rio de Janeiro”, afirmou.
Delegacias da mulher
Atual procuradora da mulher na Câmara, a deputada Thereza Nelma lamentou a falta de estrutura para atendimento e acolhimento de mulheres no País e lembrou que o Brasil conta com apenas 381 delegadas especializadas e que muitas das casas-abrigo para mulheres vítimas de violência não abrem nos fins de semana.
Técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Luseni Aquino citou dados de uma pesquisa que revela a distribuição de 720 mil novos casos de violência doméstica a unidades de Justiça do País apenas em 2019. “É preciso ter claro que a maioria dos casos em tramitação na justiça criminal envolve violência doméstica”, disse.
Ela destacou ainda que, muitas vezes, a atuação do Judiciário não enfrenta todas das dimensões dos casos. “O trabalho nas unidades é muito influenciado por ideias e conceitos que os magistrados têm sobre as relações de gênero e a violência doméstica. Muitos não têm afinidade nenhuma, o que atrapalha um tratamento processual mais adequado.”
A importância da perspectiva de gênero nos julgamentos também foi destacada pela procuradora de Justiça Ivana Pena, do Ministério Público do Estado de Goiás, que representou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela disse que o judiciário precisa ter um olhar diferenciado diante de violações do direito das mulheres.
“Quando trabalhamos com essa perspectiva de gênero, enxergamos que o sistema de Justiça não pode revitimizar a mulher, replicando estereótipos do machismo e do patriarcado”, disse.
Perspectiva de gênero
“A mulher ainda é vista como um objeto do processo e de prova e não como um sujeito de direitos, protagonista da própria história”, reforçou a vice-presidente da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), Rita Lima. Segundo ela, as varas de família, por exemplo, devem incorporar a perspectiva de gênero na aplicação da lei, “para evitar que violências institucionais ocorram fora das varas especializadas em violência doméstica”.
Rita Lima defendeu ainda medidas para a reeducação dos agressores, como a criação de grupos reflexivos, e o estímulo sobre discussão sobre gênero nas escolas.
O evento faz parte da campanha “Agosto Lilás”, dedicada à conscientização pelo fim da violência contra a mulher. A campanha marca os 15 anos da Lei Maria da Penha.