A organização internacional Human Rights Watch, voltada para a defesa dos direitos humanos, divulgou nesta terça-feira (14) a 30ª edição do Relatório Mundial. O capítulo dedicado ao Brasil ocupa nove páginas, de um total de 652, e parte dele se debruça sobre alguns dos problemas envolvendo direitos das mulheres e meninas no país: violência doméstica, retrocessos em relação ao aborto e altas taxas de cesarianas desnecessárias.
(Universa, 14/01/2020 – acesse no site de origem)
Também critica as políticas do governo do presidente de Jair Bolsonaro para a população feminina, que em um ano não apresentou avanços efetivos, segundo a entidade.
“Bolsonaro colocou os direitos da mulher como prioridade em sua campanha, mas, após um ano de governo, não há atuação enérgica, não teve avanço. Teve muitos anúncios de políticas, iniciativas, campanhas, mas não se traduziu em melhoras efetivas e reais”, afirma o pesquisador da HRW, César Muñoz.
“Houve redução de investimento na área e, mesmo com orçamento reduzido, o governo só executou 40% do dinheiro que tinha até novembro. E foi para manter o canal de denúncia de violência contra a mulher, que já existe há muitos anos”, complementa Muñoz. Com base em estudos e notícias veiculados ao longo de 2019, a instituição conclui que, apesar de o país ter avançado no combate à violência doméstica com a criação da Lei Maria da Penha, a legislação, 14 anos depois de sua criação, ainda não foi implementada de forma adequada.
Somente 8% dos municípios brasileiros têm delegacias especializadas e, em 2018, havia um milhão de acasos de violência doméstica aguardando julgamento.
“Violência contra mulher é um crime muito específico, requer uma resposta igualmente específica. Mas as autoridades brasileiras não estão preparadas. Policiais que atendem as vítimas precisam ter um preparo para atendê-las, identificar os sinais e entender a complexidade dos casos. Não é o que acontece na maioria dos casos”, diz Muñoz.
Aborto e direitos reprodutivos
Outro ponto abordado são os direitos reprodutivos. Segundo o relatório, ainda que a lei brasileira garanta o direito ao aborto em caso de estupro, risco de vida da mulher e anencefalia, a maioria dos hospitais que são autorizados a interromper gestações nesses casos não pode ou se nega a oferecer o procedimento.
Sobre a discussão relacionada a ampliação da lei do aborto, Muñoz acredita houve tentativas do governo de restringir o debate. “O caso da ministra Damares Alves [da Mulher, Família e Direitos Humanos] pedindo ao Ministério Público que processasse jornalistas da revista AzMina é descabido. O artigo sobre aborto que publicaram era informativo, com dados da Organização Mundial da Saúde. É restringir o acesso à informação”, diz.
“O aborto é uma prática muito comum no Brasil, mas se fala muito pouco sobre. Nos últimos anos, o debate teve mais relevância e abertura, como nas audiências no STF (Superior Tribunal Federal) em 2018, em que participamos. É muito positivo falar sobre uma realidade que todo mundo sabe que acontece.”
O documento ainda questiona a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que dá aos médicos o poder de realizar intervenções em mulheres grávidas, levando desnecessários procedimentos de cesarianas. O Brasil é um dos campeões na realização de cesáreas no mundo, indo de encontro a recomendações de órgãos internacionais. Atualmente, essa forma de parto compreende 55,5% dos procedimentos no país. A OMS (Organização Mundial da Saúde) estima que a cesariana seja necessária apenas em 10% dos casos.
“Vamos continuar monitorando todas as questões e, quando necessário, levar o debate a autoridades do governo. Na próxima semana, teremos um encontro com o ministro da Justiça Sergio Moro. Pedimos uma reunião com Damares em outubro, mas não tivemos retorno. Pretendemos pedir de novo.”
Bolsonaro restringiu direitos de LGBTs
O relatório ainda analisa a escalada de homofobia no país visto no último ano, reforçada por falas do presidente Jair Bolsonaro. “Quando tem um presidente que faz declarações homofóbicas, cria um clima hostil em relação a orientação sexual e identidade de gênero. É perigoso porque abre espaço para a violência. E o que a gente espera do presidente é o contrário: que respeite a escolha de cada um e apoie o direito do cidadão de ser feliz como quiser “, critica Muñoz.
Por Camila Brandalise com colaboração de Maria Carolina Trevisan