O homem heterossexual é o elefante na sala de cristais do feminismo. Protagonistas quando a questão é a violência de gênero, eles têm lugar incerto no debate sobre a solução para isso. Os muitos feminismos abarcam a participação masculina de maneiras diversas – inclusive, em alguns casos, com a recusa. Entre as correntes não-separatistas, no entanto, o lugar da participação masculina é bastante discutido, seja nas universidades, seja na prática.
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Fundador da Memoh, rede de reflexão e troca entre homens na luta pela equidade de gênero, o publicitário carioca Pedro de Figueiredo avalia que tem tido sucesso em encontrar um caminho para essa discussão “entendendo que tem uma parte que me cabe e outra que não me cabe – que é discutir a mulher, a questão da mulher”. Pedro é um dos palestrantes da mesa “Debate sobre gênero também é coisa de homem?”, que acontece neste sábado, dia 1º de junho, no Festival Path.
A ideia da mesa é propor um debate a partir da premissa de que os homens têm um papel na promoção da equidade de gênero. Nesse caso, quais seriam os caminhos de ação? Como identificar e evitar riscos de reprodução de privilégios dentro do próprio debate?
A socióloga Mariana Azevedo, que estudou os homens feministas como sujeitos políticos em sua tese de mestrado na UFPE, avalia que os primeiros passos passam por uma reflexão crítica dos homens sobre seu o próprio papel que ocupam no mundo, seguida por intervenções e questionamentos a outros homens. “A gente não vai atingir a igualdade sem mexer com as masculinidades, sem os homens passarem por um processo de reflexão crítica sobre o que é ser homem no mundo”, diz.
Reconhecendo a diferença entre os muitos feminismos e suas abordagens, Mariana propõe uma perspectiva de coalizão. “Os homens também são produzidos. Agora, é importante sublinhar que, mesmo compreendendo que os homens têm um papel na luta pela igualdade de gênero, não estou dizendo que é o mesmo lugar das mulheres”.
Pedro aprendeu essa diferença na prática. Antes da Memoh, ele admite, “assumi o papel do ‘esquerdomacho’ e mais atrapalhei que ajudei, diversas vezes”. “Falava como a mulher deveria se colocar, as brigas que deveriam comprar, dizia que estava sendo muito extremista e coisas assim. Repetia todos esses chavões que o homem costuma falar. Me colocava de formas equivocadas, tentando atuar dentro do feminismo enquanto homem, em vez de olhar para o meu próprio umbigo”.
Talvez esteja aí uma boa pista do caminho para os que buscam a coalizão. Com vivência e estudo, a prática de Pedro voltou-se para a criação de uma rede de trocas sobre masculinidades. Justamente propondo a reflexão crítica e a intervenção entre homens, como apontou Mariana em sua visão de coalizão.
A socióloga Mariana Azevedo estudou os homens feministas e a participação deles no movimento
“Gênero é uma construção baseada na relação. Então, se é algo relacional, a gente do lado de cá também deve estar pensando sobre isso e olhando para esse comportamento, já que somos nós, homens, os protagonistas da violência de gênero, independentemente de que gênero que seja. Homem violenta mulheres, minorias na relação de poder, outros homens e até ele mesmo. Então é uma questão nossa, também, que precisa ser analisada e precisamos nos responsabilizar por isso”, diz Pedro.
Caso contrário, seria mais uma responsabilidade a ser carregada apenas pelas mulheres. Os dois concordam, no entanto, que o debate das masculinidades já acontece sob algumas ameaças de armadilhas de reprodução do próprio lugar de privilégio dos homens, manifestadas principalmente em comportamentos de vitimização.
“Esse risco existe. Para tentar evitar isso, consulto mulheres o tempo todo sobre o andamento do Memoh, pessoas com quem busco trocar ideias, como a Isabela Guimarães Del Monde, da Rede Feminista de Juristas, a Aline Vieira que é idealizadora do Festival Agora é Que São Elas, já troquei com a Antonia Pellegrino, com as mulheres do Think Olga. É um exercício. Temos também um grupo no WhatsApp chamado “Memoh Lugar de Escuta” em que, graças a uma funcionalidade do app, só as mulheres conseguem mandar mensagens, os homens não conseguem falar. Estão ali apenas para ouvir e ler o que está sendo dito por elas. É uma aproximação constante de movimentos e coletivos feministas para a gente não cair numa vitimização que eu até percebo em outros grupos, para ser sincero”, afirma Pedro.
A vitimização se daria por discursos em que os homens se colocam como vítimas da construção das masculinidades, isentos de responsabilidade por suas ações de violência exercidas nos seus lugares de privilégio. Mariana, que faz parte da ONG Instituto Papai, que há mais de 20 anos trabalha com temas de masculinidades, faz coro no alerta.
“Um dos erros que eu vejo sendo cometidos por aí é ir por esse caminho da vitimização. É um dos grandes perigos que estou vendo acontecer”, afirma. “Outra questão é a do protagonismo, de homens quererem falar mais sobre algumas questões que as mulheres passam do que as próprias mulheres. Isso é histórico”.
O exercício da luta pela equidade, portanto, seria diferente para homens e mulheres. “A coalizão é essa ideia de que são sujeitos diversos entre si, que podem, a partir de uma decisão política e ética, formar uma aliança em torno de um objetivo comum. É uma compreensão de que a política se faz a partir de vontades coletivas, não está baseada em uma posição de essencialismo, porque os sujeitos estão, a todo o tempo, se transformando”, explica Mariana.
Não se esqueça de se programar para o Festival Path, que acontecerá dias 1 e 2 de junho, que pela primeira vez em seis anos, desembarca na avenida Paulista e ocupa espaços icônicos da região para realizar suas atividades.
Fonte: UOL