Enquanto a Justiça Eleitoral aperta o cerco contra o descumprimento da cota obrigatória de 30% de candidatas em cada coligação, pesquisas recentes indicam que esse sistema é falho e pode até atrapalhar o acesso feminino à política.
(Folha de S.Paulo, 26/09/2017 – acesse no site de origem)
Equilibrar o jogo requer expor o eleitorado a mais mulheres eleitas, que tenham recursos para implantar boas políticas, defende o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Paulo Arvate.
Em parceria com Renan Pieri, também da FGV, e Sérgio Firpo, do Insper, Arvate acaba de publicar estudo sobre o impacto, em eleições seguintes, da vitória de candidatas a prefeita nos pleitos de 2000, 2004, 2008 e 2012.
Um dos resultados foi que cidades que elegeram mulheres sem nível superior de escolaridade deram menos votos a candidatas à prefeitura nas eleições seguintes, em comparação com as que elegeram prefeitos homens de mesma escolaridade.
“Não adianta apenas criar cotas e preenchê-las com candidatas sem preparo nem apoio do partido”, diz Firpo.
Já quando as prefeitas tinham nível superior, houve aumento significativo de votos em deputadas federais e vereadoras, comparando-se com cidades governadas por homens mais escolarizados.
Isso só ocorreu, porém, nos municípios que tinham porcentagem de vereadoras acima da média brasileira. Os economistas avaliaram casos de disputa acirrada entre homem e mulher, para descartar municípios com preferência clara por um dos gêneros.
“O que ocorre no Brasil é uma falsa imagem sobre a capacidade da mulher na política, um estereótipo, cuja origem é falta de informação”, afirma Arvate. “Essa opinião muda quando o eleitor é exposto a boas políticas.”
Os números mostram que a reserva para candidatas não se traduziu na proporção de eleitas. Em 2016, mulheres foram 13,5% dos vereadores eleitos. Na Câmara, a fatia cai para 9,94% —a combinação das imagens dos 513 deputados federais em exercício em setembro deste ano mostra que o rosto da Câmara é branco e masculino. O Brasil ocupa a 153ª posição entre 193 países em relação à presença de mulheres parlamentares.
Em levantamento feito pela ONU Mulheres em 33 países de América Latina e Caribe, a situação do país só não está pior que Belize, diz a representante da entidade no Brasil, Nadine Gasman.
Segundo ela, as cotas estão entre instrumentos que levaram a avanço rápido em outros países, mas não deram resultado na política brasileira. “Como na medicina, se o paciente não reage com um tratamento, é preciso adotar uma intervenção mais forte.”
Um desses remédios mais fortes seria reservar uma porcentagem de assentos para mulheres nos Legislativos e em cargos do Executivo.
CRISE DOS MEDÍOCRES
A reservar de vagas no Poder Legislativo é mais eficiente para combater a “crise dos medíocres”, diz Paulo Arvate, da FGV-SP.
O termo foi cunhado pelos pesquisadores Timothy Besley, Olle Folke, Torsten Persson e Johanna Rickne em estudo publicado pela London School of Economics (LSE).
Eles argumentam que líderes políticos homens tendem a atrair para seus partidos políticos fracos, que não os ameacem. Quando se torna obrigatório dar espaço às mulheres, cresce a competição masculina pelas vagas que restaram, elevando a qualidade dos vencedores, dizem eles.
“No debate sobre cotas, há quem argumente que elas não funcionam porque não há oferta de boas candidatas mulheres. Com isso, o efeito seria apenas o de trocar bons candidatos homens por candidatas mulheres fracas. Nosso trabalho, baseado em evidências, mostra que ocorre o contrário: cotas para mulheres podem elevar a competência dos candidatos em geral, ao deslocar para fora homens menos qualificados.”
Arvate ressalta que países com cotas de assentos no Legislativo para mulheres, como os escandinavos, a Índia e a Argentina, têm mais participação política feminina.
MELHORES POLÍTICAS
Para Firpo, para ter impacto positivo essa reserva de vagas precisa ser seguida por boas políticas: “O eleitor não pode achar que há caridade, que as cotas implicam menos capacidade das mulheres”.
A pesquisa recém-publicada por Firpo e Arvate mostra que mulheres que venceram disputas acirradas para prefeituras têm nível de escolaridade maior que o dos concorrentes homens.
Em geral, elas também implantam melhores políticas públicas, indica estudo feito pela economista Fernanda Brollo, da Universidade de Warwick (Reino Unido).
Com base nos eleitos em 2000 e 2004, ela mostra que prefeitas implantam mais políticas sociais, conseguem transferência maior de recursos federais e sofrem menos processos por fraudes ou improbidade administrativa.
ALÉM DAS COTAS
O ideal, segundo especialistas ouvidos pela Folha, é que os partidos permitam igualdade nas condições internas de disputa. “Sem dinheiro e tempo de TV nem homens são eleitos”, diz Karina Kufa, professora do Instituto de Direito Público de São Paulo e advogada eleitoral.
Outra mudança necessária, segundo os pesquisadores, é forçar os partidos a terem mulheres na direção.
“Os caciques dos partidos, homens brancos de 65 anos, destinam o financiamento sempre a seu próprio grupo, perpetuando a situação”, diz Ligia Sica, coordenadora do Núcleo de Direito, Gênero e Diversidade da FGV.
Brollo aponta que, para superar essa desvantagem feminina, é preciso tornar os partidos mais abertos e democráticos internamente.
“A principal barreira é que mulheres não entram em contato com as redes políticas que já existem, então tem muito de um saber fazer política e campanha que elas não estão inseridas”, avalia Marina Merlo, que pesquisa na Universidade de São Paulo a trajetória das vereadoras eleitas em São Paulo.
“Perto das eleições, há campanhas para filiação e candidaturas de mulheres e líderes comunitários. Essas pessoas não têm estrutura para se eleger individualmente, mas carreiam votos para a legenda, ajudando a eleger as elites do partido”, diz Firpo.
AS SUGESTÕES DOS ESPECIALISTAS
Dentro dos partidos
- Estabelecer cota de 30% (há propostas de 50%) de mulheres para cargos de direção
- Aumentar de 30% para 50% a cota para candidatas mulheres nas coligações e partidos
- Adotar regras claras para a escolha de candidatos, com eleições internas e candidaturas reais
- Tornar obrigatória distribuição proporcional entre gêneros de verbas e tempo de propaganda
Fundo partidário
- Aumentar de 5% para 30% o percentual obrigatoriamente reservado à participação feminina
- Adotar peso 3 para os votos dados a mulheres na regra usada para dividir o fundo partidário entre os partidos
Regras eleitorais
- Diminuir número máximo de candidatos por coligação para reduzir gastos e evitar pulverização de candidaturas
- Para os candidatos que são eleitos sem votos próprios, puxados pelo coeficiente partidário, estabelecer alternância entre homem e mulher, sem prejuízo à vaga conquistada pelo partido
- Adotar modelo de lista de candidatos pré-determinada pelo partido com paridade de gênero, alternando candidato homem e mulher
Propaganda eleitoral
- Aumentar para 30% o tempo mínimo que os partidos devem dedicar à promoção da participação feminina
- Utilizar tempo de rádio e TV cassado de partidos por descumprimento de regras para incentivar a participação de mulheres
Poder Legislativo
- A PEC 134/2015 reserva assentos para mulheres nos Legislativos em proporção crescente, de 10% a 16%, nas três eleições seguintes à aprovação (especialistas consideram a porcentagem insuficiente). Aprovada no Senado, aguarda votação no plenário da Câmara desde o ano passado.
- A PEC 23/2015 reserva 30% das vagas no Legislativo para mulheres. Aguarda votação em comissão do Senado desde 2015
Poder Executivo
- Estabelecer cota de 30% para participação de mulheres em cargos de primeiro escalão do Poder Executivo
Educação
- Capacitar mulheres para concorrer
- Informar a população sobre a lei eleitoral e as formas de alterá-la
Fonte: Agência Patrícia Galvão