A chamada ‘paternidade ativa’ ganha adeptos, com homens que põem literalmente a mão na fralda e na cama
Quando Anne contou que queria dar à luz seu primeiro filho em casa, Thiago Queiroz “surtou”. “Achava aquilo uma loucura”, recorda o engenheiro carioca, de 34 anos. Ele estava mais focado em montar o quarto do bebê do que nos textos que a mulher enviava sobre o desejado parto humanizado. Aos poucos, foi convencido da ideia, mas a “ficha” da paternidade só caiu quando o corpo de Dante deslizou nos seus braços dentro da banheira montada no apartamento, após 23 horas de intensas contrações.
“Esse momento foi muito tocante. Se eu não tivesse embarcado nessa, não estaria ali, na hora certa, para pegar o meu filho. Depois, só pensava em como queria me apaixonar por ele. Comecei a ler sobre criação com apego e decidi mergulhar na paternidade”, conta Queiroz, que, além de Dante, com 4 anos, é pai de Gael, de 2, blogueiro, youtuber, com o canal Paizinho, Vírgula!, palestrante e criador de um grupo sobre disciplina positiva no Facebook, o Criação com Apego.
Agora, é ele quem escreve os textos que as mulheres mandam para os maridos. “Sei que muitos ainda não leem, como eu não lia”, diz. Mas isso está começando a mudar. A chamada paternidade ativa defendida por Queiroz tem ganhado cada vez mais adeptos no Brasil. São homens que rejeitam o papel do pai apenas como provedor da casa e colocam a mão na fralda, as crianças na cama e debatem os mais variados assuntos envolvendo os filhos, desde coisas mais práticas, como o jeito de usar o sling (espécie de rede para carregar o bebê junto ao corpo), até temas mais complexos, como o melhor as formas de lidar com ciúmes entre irmãos.
Pelo País. Um deles é o engenheiro de sistemas Leandro Gonçalves, de 35 anos, que criou há quatro anos um grupo fechado no Facebook, o Paternando, com mais de 400 membros de Espírito Santo, Minas, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, além de Rio e São Paulo. “O feminismo questiona os papéis na família preestabelecidos pela sociedade, de que o homem trabalha e a mulher cuida dos filhos. Hoje, todos trabalham, não é justo só as mulheres fazerem dupla jornada. Nossa geração está assumindo essa responsabilidade.”
E o papel das mulheres na descoberta da nova paternidade é vital. Assim como Queiroz, Gonçalves conta que a vontade de ser um pai mais participativo do que fora o seu aflorou no nascimento de Alice, sua filha mais velha. “A Dane (a mulher) optou pelo parto humanizado em casa. Foram 26 horas de trabalho de parto e fiquei junto dela o tempo todo. Foi muito intenso para mim também, meio catártico.” O próprio grupo de pais nasceu com base em um grupo de mães. “Elas promoviam encontros e os pais começaram a se conhecer também. Até que decidimos criar nosso próprio grupo.”
Hoje, o Paternando promove rodas de conversas mensais entre os pais e tem um podcast, o Balaio de Pais, para falar da criação dos filhos. No último episódio – Mamãe tá na roça, papai foi cozinhar –, os pais abordaram como a sociedade brasileira ainda tem dificuldade em aceitar essa nova realidade familiar. “Crescemos em uma cultura machista e essa desconstrução sobre o lugar do pai na família, em casa, é demorada. O que está acontecendo é uma quebra de paradigma, mas muitos ainda cobram do pai esse papel de provedor”, relata o psicólogo Leonardo Piamonte, de 38 anos, autor do blog Paternidade Sem Frescura.
Para um dos mais assíduos do grupo, o jornalista Leandro Nigre, de 34 anos, a troca de informações tem sido essencial para enfrentar o desafio da paternidade. “Infelizmente ainda há muito preconceito com os que decidem assumir determinadas tarefas e dividir a educação dos filhos com as mães”, diz Nigre, que utiliza seu blog, o Papai Educa, para divulgar entre homens notícias, pesquisas e reflexões que envolvem a paternidade. E para quem o elogia por cuidar de Guilherme, de 4 anos, e Rafael, 2 meses, ele responde: “Só estou cumprindo meu papel de pai”.
Criação ‘casada’ desmistifica hierarquia
Muito se fala sobre as consequências da ausência de um pai na vida de uma criança, como comportamento violento e dependência química, mas pouco se estudou até agora sobre os efeitos da paternidade ativa no desenvolvimento dos filhos.
Para a psicóloga e terapeuta familiar Rosa Maria Macedo, coordenadora do Núcleo de Família e Comunidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), uma coisa é certa: a presença do pai em casa e nas atividades domésticas torna a estrutura familiar mais horizontal, o que é positivo para pais e filhos.
“Na literatura, pai sempre foi visto no lugar da autoridade, aquele que impõe as leis da casa. Ou seja, estaria hierarquicamente acima da mãe. Com a mudança de papéis, esse processo está ficando horizontal. Isso é bom sob diversos aspectos, do respeito às diferenças, aos gêneros, à democracia, sem criar uma situação de desigualdade.”
Rosa explica que a teoria do apego, que virou objeto de estudos dos pais ativos, começou a ser desenvolvida na década de 1950 pelo psicanalista britânico John Bowlby. Em suas pesquisas, ele constatou que o vínculo estabelecido entre a criança e o adulto dependia mais da sensação de segurança que lhe era proporcionada do que com o alimento, como pensavam psicanalistas que julgavam o apego primário exclusivo das mães.
Para psicólogo, a mudança de comportamento do pai depende muito da postura da mãe, que não pode ter medo de “perder” o lugar de poder que ocupa em casa. “No consultório, recebo pais se queixando que querem participar mais, mas são repreendidos pelas mulheres, que colocam defeitos no que eles fazem. Isso não pode ser uma disputa.”
O psicólogo Leonardo Piamonte, que trabalhou com menores infratores na Colômbia, disse que, como esta é a primeira geração de pais que desenvolveu esse comportamento participativo, só agora será possível medir os efeitos da nova paternidade nas famílias. Ele participa do grupo de pais ativos e acredita que esse comportamento paterno faz com que os filhos sejam mais criativos, assistam menos TV e se alimentem melhor. “O que se sabe é que excesso de amor e carinho nunca machucou ninguém.”
Fonte: Estadão