Niéde Guidon não faz mais suas longas caminhadas pelo Parque Nacional da Serra da Capivara. Reclusa desde os tempos de pandemia de covid, a arqueóloga, que se aposentou da presidência da Fundação Museu do Homem de Americano (Fumdham) em 2020, se acostumou com o isolamento.
“Com 90 anos, penso que já trabalhei bastante. Meus amigos, os jogos de vôlei e tênis e ainda alguma leitura me acompanham [no dia-dia]”, conta a pesquisadora franco-brasileira à Mongabay.
Guidon mora com seus cachorros em uma casa aos fundos da Fumdham, em São Raimundo Nonato, sertão do Piauí, há 30 anos. E, entre idas e vindas entre Brasil e França, ameaças de poderosos e conquistas científicas, ela celebra a reabertura, depois da pandemia e da insegurança causada pela gestão Bolsonaro, do Parque Nacional que ajudou a criar.
Guidon mora com seus cachorros em uma casa aos fundos da Fumdham, em São Raimundo Nonato, sertão do Piauí, há 30 anos. E, entre idas e vindas entre Brasil e França, ameaças de poderosos e conquistas científicas, ela celebra a reabertura, depois da pandemia e da insegurança causada pela gestão Bolsonaro, do Parque Nacional que ajudou a criar.
A cientista, que fez aniversário em 12 de março, recebe neste ano uma série de homenagens por seus 90 anos, das quais seleciona a dedo naquelas que dará o ar da graça – tendo contraído chikungunya em 2016, hoje Guidon convive com uma artrose, o que dificulta sua locomoção.
Um destes eventos aconteceu no último dia 9 de junho, fazendo com que a pequena São Raimundo Nonato, ficasse em festa.
Para lá viajaram o cônsul-geral da França no Recife, Jérémie Faucon, o vice-governador que estava em exercício do Piauí, Themístocles Filho, e outras personalidades políticas e acadêmicas que desembarcaram no aeroporto reinaugurado do município – um desejo antigo da arqueóloga, taxada como “megalomaníaca” por apostar, ao longo da vida, em uma série de projetos sociais, estruturais e científicos na região do parque.
Pedra Furada, formação rochosa mais icônica do Parque Nacional da Serra da Capivara. – Claudia Regina, CC BY-SA 2.0 – Claudia Regina, CC BY-SA 2.0
“Existe um Piauí e uma São Raimundo Nonato antes e depois de Niéde Guidon“, contou à imprensa local a prefeita da cidade, Carmelita Castro, uma das presenças na cerimônia que aconteceu no espaço da Fumdham, instituição sem fins lucrativos criada por Guidon na década de 1980 com o objetivo de administrar o parque, que abriga alguns dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo.
Hoje a área é mantida em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e o apoio de diversos órgãos, como o Ibama.
Na ocasião da homenagem, lá estava também o professor e pesquisador da Université Paris Nanterre, Eric Boëda, hoje chefe da missão franco-brasileira que acompanhou Guidon desde o início das descobertas no parque.
Uma espécie de sucessor da professora no campo arqueológico. Naquele dia, o cônsul confirmou a intenção do governo francês em investir em uma nova missão na região. Niéde está feliz.
Desafiando o consenso na arqueologia
Pesquisadores fazem escavação em áreas na Serra da Capivara, patromônio mundial pela Unesco Imagem: Fundação Museu do Homem Americano/Divulgação
O projeto de Marian Rodrigues segue os ideais de Niéde Guidon, pioneira quando o assunto é educação no sertão. O Instituto Olho D’Água já capacitou centenas de pessoas da região para trabalharem no comércio e turismo.
Das lutas de Niéde, que chegou à região de São Raimundo Nonato quando não havia nem saneamento básico, uma série de demandas se concretizou ao longo do tempo, como a construção de uma fábrica de cerâmica, restaurantes, hotéis e pousadas, o desenvolvimento da apicultura na região e o tão falado aeroporto no município de São Raimundo Nonato.
Quando a doutora fez 90 anos, fui à casa dela levar umas flores, ela olhou pra mim e falou: ‘Cuide bem do parque, viu?’ Me deu até um nervoso.
Marian Rodrigues, chefe do Parque Nacional da Serra da Capivara
A Serra da Capivara é hoje um dos principais sítios arqueológicos do mundo Imagem: Marcel Vincenti/UOL
“Sempre digo que só fiz meu trabalho e agora vejo a região mudando rapidamente, crescendo com uma importante participação da população local”, diz Guidon.
“Os jovens cada vez migram menos porque aqui acham trabalho, as iniciativas privadas aumentam a cada dia, as pessoas já não esperam que tudo venha do governo. As duas atividades que iniciamos na expectativa de um dia a região atingir o desenvolvimento, ou seja, o turismo e a apicultura, hoje caminham praticamente sozinhas e com sucesso. Ainda falta, mas, me parece que agora é sem retorno. A Serra da Capivara está no mapa do mundo.”