Casadas, solteiras, com ou sem filhos, donas de casa ou trabalhando fora. Não importa o estilo de vida adotado há sempre um julgamento pairando sob as cabeças das mulheres. Para os especialistas ouvidos pelo UOL, uma das razões para essa vigilância constante está ligada a ainda recente ocupação do espaço público. No Brasil, as mulheres conquistaram o direito de votar, por exemplo, há apenas 84 anos.
Quanto mais são vistas, defendem suas opiniões e vontades, mais são criticadas. Antes, o mundo privado consistia no lugar reservado às mulheres, educadas para se dedicarem às tarefas de casa.
“Não estamos preparados para as escolhas da mulher. Até séculos atrás, ela era criada para casar e ser um bibelô do homem”, afirma o filósofo e historiador Antônio Emilio Morga, coordenador do Laboratório de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Amazonas.
O modo como a mulher se comporta no espaço público influencia julgamentos alheios e até a maneira como é vista em processos judiciais.
“O que você estava fazendo na rua?” era a pergunta mais comum às vítimas em alguns dos processos por crimes sexuais do início do século 20, em Fortaleza (CE), analisados pela pesquisadora e historiadora Gleidiane de Sousa Ferreira, ligada ao IEG (Instituto de Estudos de Gênero) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Em vez de focar no crime, os questionamentos buscavam determinar a legitimidade da vítima, conforme sua conduta. Se estivesse na rua para trabalhar em favor da família, havia um discurso favorável. Caso contrário, a mulher podia ser culpada pelo ocorrido.
Para Gleidiane, apesar das evoluções ao longo do tempo, até hoje a mulher “é muito punida”.
Violência e feminicídio
Mais do que um fenômeno comportamental, o olhar recriminatório em direção às mulheres pode desembocar em algo pior: a violência de gênero.
Segundo Maria Beatriz Nader, coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), esse tipo de violência se manifesta em diferentes ações, desde as críticas às roupas femininas até os xingamentos sexistas à ex-presidente Dilma Rousseff.
Apesar dos direitos conquistados, a violência e os assassinatos de mulheres têm aumentado. De acordo com dados do Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil, o número de vítimas subiu de 1.353 em 1980 para 4.762 em 2013, um aumento de 252%. Na faixa etária de 18 a 59 anos, o principal agressor é o parceiro ou ex-parceiro.
Maria Beatriz diz acreditar que o empoderamento das mulheres é a grande causa do crescimento do feminicídio – quando o crime se relaciona à condição do sexo feminino. “Os homens ainda têm sérios problemas para aceitar que as mulheres alcancem sua liberdade financeira”, diz.
História e permanências
Apesar das conquistas políticas e legais, como a Lei Maria da Penha contra a violência doméstica, em vigor desde 2006, e a Lei do Feminicídio, que estabelece desde março de 2015 o assassinato de mulheres ligado à condição de gênero como crime hediondo, a cultura machista sobrevive.
“A história não é evolutiva, existem mudanças, mas há retrocessos e permanências”, afirma Cristiane Manique Barreto, professora de história do Centro Universitário do Norte.
Mesmo com a presença no mercado de trabalho e no espaço público, as mulheres continuam sendo mais julgadas do que os homens em relação ao que fazem em casa.
“Ainda é atribuída uma culpa a elas quando há problemas no casamento ou um filho se envolve com drogas, como se fossem as únicas responsáveis pela família”, declara Cristina Scheibe Wolff, coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero e História da UFSC.
A igualdade de gênero pode demorar a se concretizar, porém hoje as mulheres têm mais voz e o debate está exposto nas redes sociais. “Esses embates sobre vestimentas e papéis sociais vão aparecer muito mais”, diz Cristiane Manique.
Fonte: UOL